Museu da Tolerância de São Paulo
A criação do Museu da Tolerância na Universidade de São Paulo, agregado ao Laboratório de Estudos sobre a Intolerância da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, tem como objetivo dar a conhecer os resultados das pesquisas desenvolvidas no âmbito do LEI e dos centros de pesquisa congêneres nacionais e internacionais. Como escola interativa será construído na Universidade de São Paulo, em terreno na Av. Lineu Prestes, altura do número 338.Museu é um espaço vivo, uma obra aberta onde pensamentos e ideias são debatidos continuamente, especialmente pela produção necessária ao Portal Rumo a Tolerância, que serve como um museu virtual. Espaço de aprendizagem, de debates sobre o acervo, já tem permitido aos pesquisadores novas concepções, destacando-se os elementos necessários para proporcionar tanto a jovens como adultos, reflexões sobre a Intolerância, com objetivo de desenvolver a cultura da paz.
O conhecimento crítico será a pedra fundamental que norteará toda a ação educativa voltada para a reversão das práticas de intolerância e violência. Um Museu é geralmente um espaço físico em que se guarda, estuda, expõe um patrimônio e que também abriga atividades pedagógicas relacionadas. O velho tipo de Museu/arquivo é hoje bastante raro. Uma nova concepção de Museu é exigência das sociedades contemporâneas que procuram constituir ambientes vivos voltados à educação lato sensu. O Museu da Tolerância deverá guardar/expor/divulgar/debater exemplos de amor e de desamor do diverso, de preconceito e convivência. Ambos se aplicam às situações múltiplas.
Uma das formas de trabalhar contra o preconceito é conhecer a diversidade, pois para aceita-Ia é preciso saber sobre o outro. A intolerância tem-se caracterizado no mundo atual como um fenômeno constante, produzido pela imposição, no mundo globalizado, de padrões culturais e de comportamentos voláteis, originários da sociedade de mercado. A cultura profunda, dita popular, tem temporalidades longas. Assim, ao recuperar fenômenos de intolerância, buscar-se-á as origens no passado, fazendo com que o público possa perceber a gênese e a genealogia da intolerância. Ela também se manifesta em sociedades tradicionais, e nas sociedades dirigidas pelo capitalismo de Estado. Torna-se imprescindível, portanto, recuperar os processos culturais que permitam aos jovens reencontrar ou criar um lugar de significação e de poder compartilhado com o outro. Deste modo, o estudo das guerras, das formas discricionárias produzidas pelas intolerâncias políticas, religiosas e culturais, cujas marcas profundas estão presentes na história e na sociedade brasileiras, viabilizará conhecimento crítico da gênese das intolerâncias permitindo novas escolhas. Processos inquisitoriais, escravidão de nativos e de negros, preconceitos e xenofobias sobre diferentes grupos étnico-culturais, criminalização de ritos, de cerimônias religiosas e das lutas sociais, ou mesmo intolerâncias sobre atributos fenótipos, estudados pelos pesquisadores do LEI, estarão decodificados no Museu em textos mais leves e de apropriação simples. Essas marcas do passado, aprofundadas na fragilidade da democracia e nos limites à plena constituição dos direitos, poderão ser reconhecidas e redimensionadas para o desenvolvimento de valores e de solidariedades necessários a um novo modo de ser e de agir.
As formas de intolerância manifestadas hoje nos vários cantos do planeta, desde as religiosas, as culturais, as de ordem social, os racismos, as de gênero e de ordem sexual têm sido crescente. Desenvolve-se também nos últimos tempos o tema da tolerância, que ganhou espaço nas discussões acadêmicas, nas comissões de direitos humanos, entre os grupos ambientalistas, nas organizações internacionais responsáveis por limitar a intolerância política, como a Anistia Internacional, no direito à vida como defende a FAO, ou ainda, no trabalho dos grupos de ajuda humanitária como os Médicos do Mundo, os Médicos sem Fronteiras, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) ou os atingidos por catástrofes e mesmo os auto-exilados refugiados da miséria.
Certamente as muitas intolerâncias têm raízes históricas mais profundas e preocupam, no tempo presente, inúmeros mediadores, sejam eles: intelectuais, organizações não governamentais, partidos políticos e universidades. Essas condições são fundamentais, mas, dependem também do entendimento da intolerância existente no eu e no outro. Assim, na educação deve-se reafirmar com intensidade e de modo contínuo a democracia, como tem insistido Boaventura de Souza Santos, pela transformação das escolas em espaços de convívio das diferenças culturais e sociais, tornando-as mais adequadas à nova realidade que exige dos estudantes tomada de decisões, inventividade, inovação e afeto. Novos materiais estão sendo produzidos e testados para a formação do singular e do diverso.
O Museu contará com diferentes sessões permanentes, interativas em linguagem virtual e hipermídia para desenvolver as possibilidades de articulação entre os campos históricos, antropológicos, geográficos, filosóficos, linguísticos, psicanalíticos e artísticos, a partir da produção de jogos, mapas, bancos de dados em rede, pequenas histórias em vídeo, exercícios para a comparação de diferentes situações, onde os temas da intolerância possam ser debatidos, criticados, projetando possibilidades de maior convivência entre os vários grupos. Articulados aos centros virtuais parceiros, os visitantes poderão debater os assuntos, trocar experiências e realizar pequenos ensaios, solucionar os problemas indicados nas práticas interativas.
As sessões permanentes estarão dedicadas aos estudos:
a) Negros - Escravidão e Racismo: especializada em África Negra com o objetivo de produzir materiais e divulgar pesquisas sobre a história dos diferentes grupos e etnias que foram deslocados para a América, implementando a escravidão moderna. Essa sessão será dedicada à comparação entre os modos de vida dos negros em África e no Brasil, procurando destacar a violência do tráfico e da escravidão e a violação de homens, mulheres e crianças. Também tratará da resistência desses grupos do século XVI ao XIX. O destaque para as várias formas de lutas, tais como as fugas para os Quilombos, os suicídios, os abortos, a sedução de senhores e as contendas judiciais pelas alforrias e as lutas contra a prostituição de mulheres negras permitirão desvendar a variedade das formas de resistência desses grupos contra a sociedade escravista e as dificuldades de convivência ao longo de todo o período de vigência da escravidão. Destacam-se análises sobre o racismo e a desigualdade imposta aos negros, mesmo após a abolição e os dilemas da cidadania, da democracia, dada a intolerância que se manifesta contra os ex-escravos que compõem a maior parcela da população excluída dos direitos fundamentais em nosso país.
b) Educação, Infância e Cidadania: Essa sessão estará dedicada ao desenvolvimento de estudos dos processos educacionais inclusivos, da produção de materiais de ensino críticos das muitas intolerâncias existentes no mundo contemporâneo para criar nos estudantes um sentido de pertencimento humano valorizando a beleza da diversidade cultural que compõe a sociedade brasileira. Assim, através de um novo modo de olhar as múltiplas diversidades de países, línguas e culturas, pretende-se criar as condições necessárias para o aprimoramento de valores que integrem os sujeitos em experiências de solidariedade que se contraponham a qualquer forma de discriminação, preconceitos, xenofobias próprias do pensamento homogêneo gerador de práticas totalitárias. Assim, essa atividade é central em todos os projetos do Laboratório e dos parceiros que se agregaram neste Projeto.
c) A Questão Indígena: Os numerosos povos indígenas do Brasil foram vistos como desprovidos dos traços definidores de uma autêntica humanidade. Essas gentes “selvagens”, cujas vidas ímpias transcorriam na mais absoluta espontaneidade - diziam os primeiros colonizadores - não se governavam. Precisariam, pois, de quem os fizesse por eles, subjugando-os. Daí à escravização e ao genocídio desses nativos foi um curto passo. Afinal, os empreendimentos aqui estabelecidos dependiam de braços e terras abundantes. Mais tarde, com a chegada dos africanos escravizados, generalizou-se o agravante mito do “índio preguiçoso”. Foi preciso aguardar muito tempo e o desenvolvimento da Etnologia para que tal percepção se alterasse. Mas, a despeito de tantos esforços e em pleno século XXI, são ainda muitos e intolerantes, lamentavelmente, os brasileiros que não reservam um lugar para esses indígenas na vasta, rica e variada irmandade dos seres humanos.
d) Inquisição e Marranismo: Nesta sessão estarão os estudos dos processos inquisitoriais em Portugal e no Brasil, de modo a permitir aos visitantes conhecerem os meandros da violência imposta por essa instituição que fez com que o Marranismo passasse a ser uma cultura de resistência. Os processos inquisitoriais existentes no acervo do LEI permitirão estudos e narrativas iconográficas e documentais sobre a violência do Tribunal do Santo Ofício que perseguiu, prendeu ,torturou, delatou e levou à fogueira inúmeros Cristãos Novos no Brasil, desterrando vários deles e colocando-os em galés. Os métodos utilizados para tais fins foram à infiltração e a delação para as quais foram utilizadas crianças estimuladas a narrar os costumes culturais e o modo de vida doméstico.
e) Holocausto e Anti-semitismo: Trata-se de uma sessão voltada aos estudos da violência política, cultural e religiosa do século XX, responsável pelo assassinato de milhões de pessoas com o propósito de atribuir a esses grupos (judeus, ciganos, e demais minorias étnicas) a responsabilidade das dificuldades econômicas e sociais do período. Essa violência expandiu-se para diferentes países e, em linha de continuidade conseguiu a cooperação de autoridades públicas brasileiras tanto com o holocausto como com práticas anti-semitas, mas também possibilitou o acolhimento dos refugiados de guerra dadas as ambiguidades da política externa brasileira. Textos, relatos, testemunhos desse processo serão expostos permanentemente nesta sessão, estimulando a formação de uma consciência critica com vistas a uma maior humanização de jovens e adultos no país.
f) Tolerância ao Intolerável: Espaço monumental de exposições sobre as diferentes formas de intolerância e de tolerância ao intolerável que deverão estar conectadas em programas interativos tais como: Depoimentos de Familiares de mortos e desaparecidos durante as ditaduras latino-americanas, de outras regiões e continentes; filmes, vídeos, fotos, textos, canções, painéis que divulguem as diferentes formas de cultura, mitos, ritos religiosos e fúnebres, alimentos, lendas, artes plásticas, para promover o conhecimento e o reconhecimento de valores universais nas diferentes formas de agregação humanas. Crianças e Idosos serão centrais nesta sessão.
O Museu agregará ainda exposições temporárias, resultados dos trabalhos dos pesquisadores do LEI e envidará esforços para estabelecer um sistema de permuta dos materiais produzidos nos Museus congêneres existentes em diferentes países.
* Apresentação da mesa Filosofia e Política: a questão da intolerância
Esta notícia foi publicada em 07/02/2007 no sítio rumoatolerancia.fflch.usp.br/node/691. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.