Sociologia
14/10/2008
CRISE FINANCEIRA A meca do liberalismo recorre à intervenção do Estado, de 700 bilhões de dólares, para impedir o colapso
Memélia Moreira
de Orlando (EUA)
FOI UMA longa espera! Mas, finalmente, aconteceu. Dezenove anos depois que os cacos das pedras do Muro de Berlim eram vendidos ou guardados como relíquias de um tempo a ser esquecido, anunciando o fim do Comunismo no Leste Europeu, a “Rua do Muro” ou, simplesmente, Wall Street – nome pela qual é conhecida uma acanhada e famosa rua em Nova York que governa os destinos do mundo –, viu suas montanhas de dólares se desmanchando.
E então, como sempre acontece nesses momentos em que o capital (leia-se banqueiros e especuladores) se vê diante da ruína, apelam, sem qualquer cerimônia, às premissas do comunismo, em que o Estado regula a economia e promove intervenções para ajustá-la. Foi assim no penúltimo domingo do verão de 2008 em Nova York. O primeiro sintoma da rendição se deu quando o American International Group foi socorrido pelo Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos) com uma ajuda de 85 bilhões de dólares. Aí a porteira se escancarou. O rombo era maior e a única alternativa foi apelar para os fundamentos da economia estatizada.
Sem pestanejar
George W. Bush cometeu o impensável: viveu seu dia de Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil, e anunciou um rico Proer para os bancos estadunidenses. A intervenção estatal, que sempre foi o pesadelo dos capitalistas, é gorda. Vai custar aos cofres e bolsos do povo estadunidense exatos 700 bilhões de dólares. Isso mesmo, 700 bilhões de dólares. Ou seja, três vezes mais do que os Estados Unidos gastaram em cinco anos da guerra do Vietnã.
A ajuda, desenvolvida nos laboratórios de Henry Paulson, secretário do Tesouro (correspondente ao nosso ministro da Fazenda), é equivalente a 40 orçamentos da Agência Espacial Nasa corresponde a 70% do produto interno bruto do Canadá e é maior do que o PIB de dois ricos países da América Latina – Chile e Argentina –, segundo cálculos feitos pelo Centro de Controle de Armas e Não-proliferação. Se essa dinheirama fosse distribuída ao povo do país, cada pessoa dos Estados Unidos receberia dois mil dólares. Já seria uma boa ajuda para quem não pode pagar os empréstimos pela compra da casa própria.
E é exatamente esse o raciocínio desenvolvido pelo Partido Democrata no Congresso. Deputados e senadores resolveram “melar” o Proer de George W. Bush e querem que parte desses 700 bilhões de dólares seja depositado na conta bancária do contribuinte, ele também vítima (e é quem vai pagar a conta da farra de Bush), porque muitos perderão a casa própria, espécie de totem da sociedade estadunidense.
Por causa disso, o debate sobre o pacote está atrasando a votação da mensagem enviada pelo presidente dos Estados Unidos ao Congresso. George W. pediu “urgência urgentíssima”, mas a maioria democrata ainda não está convencida de que deva votar com tanta pressa e sem conquistar alguns ganhos políticos. Nem mesmo o Partido Republicano, sigla do presidente Bush, está convencido de que deva votar o pacote de resgate dos bancos com tanta rapidez. Eles foram os primeiros a pedir mais tempo ao presidente.
E Bush, que em janeiro passa a faixa para seu sucessor, está cada dia mais cabisbaixo, mas não comove ninguém. Logo depois de mandar a mensagem dos 700 bilhões de dólares ao Congresso, com uma voz quase chorosa, disse: “a intervenção no mercado não é desejável, mas agora ela é essencial”.
Já os militantes do Partido Comunista Brasileiro, em documento divulgado no dia 22 de setembro, analisam a crise afirmando: “Os últimos acontecimentos destroem todos os mitos construídos nos últimos 30 anos, de que o pensamento único do livre mercado levaria a sociedade à abundância e que seria o ‘fi m da história’ para qualquer alternativa fora dos marcos capitalistas. Todos esses mitos criados para endeusar o neoliberalismo e toda a verborragia do livre mercado foram por água abaixo com a crise, que começou no ano passado e que se aprofunda agora de maneira avassaladora. Essa crise revela ao mundo a degeneração do sistema financeiro desregulado.
O feiticeiro já não consegue mais controlar suas bruxarias, e o alquimista está queimando as mãos com o fogo que acendeu”. Ou, diria Chico Buarque, “nada como o tempo após o contratempo”.
Tensão pré-crack
Todo esse esforço do presidente ainda não sensibilizou os apostadores de Wall Street. No dia 22 de setembro, as bolsas levaram um novo tombo. O índice Dow Jones, que é referência da bolsa de Nova York, caiu 3,27%, enquanto a Nasdaq recuou 4,17%.
As maiores baixas se deram nos títulos dos bancos, empresas construtoras e empresas manufatureiras. Os investidores também deixaram de apostar nas empresas aéreas que viram suas ações sofrerem uma queda de 9,4%. A queda das ações das aéreas está diretamente vinculada ao preço do barril de petróleo. Na tarde do dia 22, mais uma alta histórica, quando o barril chegou à casa dos 130 dólares.
Para se ter uma idéia do clima “salve-se quem puder” que se disseminou em Wall Street, o terceiro maior banco dos Estados Unidos, o JP Morgan, viu suas ações caírem em 13,3%. Resumindo, nem mesmo a mão aberta do pacote de George W. Bush tranqüiliza o mercado. Analistas financeiros dos principais jornais dos Estados Unidos são unânimes em criticar o plano porque, dizem eles, “é um plano inflacionário” e que dificilmente vai “ressuscitar” a economia do país.
A palavra “ressuscitar” e “resgatar” são as mais ouvidas no noticiário econômico. E nem mesmo o canal Fox News, porta- voz do espírito de sucesso e invulnerabilidade que faz parte da cultura do povo desse país, consegue transmitir otimismo. “Quem será o próximo?”, perguntam seus comentaristas, referindo-se à quebradeira dos bancos, seguradoras e grandes corporações, a exemplo da empresa “Linens and Things”, especializada em artigos de cama, mesa e banho, que tem lojas em todo o país, com mais de 100 mil empregados. Em meados de setembro, a empresa, tão tradicional quanto o McDonalds, anunciou sua falência. Ou seja, mais um exército de desempregados nas ruas.
Assim, por mais que tentem manter o sorriso de vitória, nenhum dos comentaristas se arrisca em dizer que há uma saída para a crise. E até mesmo os canais específicos de cinema começam a reprisar filmes célebres sobre o crack da bolsa de Nova York em 1929, entre eles, o premiado A Noite dos Desesperados, com Jane Fonda. Em outras palavras, os Estados Unidos vivem uma verdadeira tensão pré-crack, que pode ocorrer a qualquer momento ou, na melhor das hipóteses, ser adiado mais uma vez.
Profecia marxista
A crise já estava prevista. Quando participou da terceira edição do Fórum Social Mundial em Porto Alegre (RS), em janeiro de 2003, o filósofo marxista húngaro István Mészaros, ao se referir à hegemonia dos Estados Unidos, alertou para a crise com as mesmas palavras de seu livro Para Além do Capital. Disse ele: “Algo de significativamente novo está ocorrendo no sistema, em seu conjunto.
Sua natureza não pode ser explicada, como foi tentado no início, apenas em termos de uma crise cíclica tradicional, uma vez que tanto o âmbito como a duração da crise a que fomos submetidos nas últimas duas décadas superam hoje os limites historicamente conhecidos.
Tampouco parece plausível atribuir os sintomas identificáveis da crise à chamada ‘onda longa’: uma idéia que, como hipótese explicativa um tanto misteriosa, foi apologeticamente injetada em debates recentes.”
Mészaros foi além na sua profecia, afirmando que os sintomas da crise “se multiplicam e sua severidade é agravada, parece muito mais plausível que o conjunto do sistema esteja se aproximando de certos limites estruturais do capital, ainda que seja excessivamente otimista sugerir que o modo de produção capitalista já atingiu seu ponto de não-retorno a caminho do colapso”. Enfim, não foi por falta de aviso que a crise se instalou na maior potência econômica do planeta. Para Além do Capital foi editado há 13 anos e George Bush nem precisava de tradução, porque o livro saía em inglês pela Merlin, e não em húngaro.
Para os demais – principalmente os integrantes do G7, que aplaudiram o Proer de Bush, embora rejeitem aplicar a mesma fórmula nos sete países mais ricos do mundo –, o filósofo Mészaros tem mais a dizer. Ele acende o pisca-alerta dizendo que o mundo precisa “encarar a perspectiva de complicações muito sérias quando o calote dos Estados Unidos reverberar na economia global com toda sua força, num futuro não muito distante. Afinal, não devemos esquecer que o governo dos EUA já descumpriu – sob a presidência de Richard Nixon – seu compromisso solene relativo à convertibilidade do dólar ao ouro, sem a menor atenção com o interesse daqueles diretamente atingidos por tal decisão e, de fato, sem a mínima preocupação com as implicações de sua ação unilateral para o futuro do sistema monetário internacional”. Quem avisa, amigo é, e Mészaros costuma acertar.
Na contramão do filósofo, o megaespeculador George Soros, guru das finanças nos Estados Unidos, não acredita que o sistema capitalista esteja na UTI. Em entrevista concedida ao jornal francês Le Monde, ele garante que “Wall Street não está afundando. Wall Street está em crise”. E acredita que a quebradeira geral é fruto do “fundamentalismo do mercado, baseado naquela ideologia do ‘deixa rolar’ e da auto-regulação do mercado. A crise não foi provocada por fatores externos, ela é apenas a conseqüência de uma catástrofe natural. Foi o sistema que provocou sua própria perda.
Ele implodiu, ou seja, sofreu um colapso por dentro”. Por essa razão, Soros diz que, dessa vez, a crise traz um fato novo, que é a possibilidade de “uma explosão do sistema”. E, na mesma linha de raciocínio do presidente Lula, o megaespeculador comunga da opinião de que o pacote econômico anunciado pelo presidente dos Estados Unidos foi uma decisão que demorou a chegar.
Com críticas ao ex-presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, por ter deixado os juros muito baixos durante muito tempo, Soros, que é considerado um homem” de esquerda” dentro dos Estados Unidos, diz que “enquanto as autoridades hesitam, a situação vai se deteriorando e, além disso, essas intervenções são paliativas, e não preventivas”.
Quem ganha
No Congresso, os debates começaram a chegar ao ponto de ebulição. Sem qualquer entusiasmo ao apelo feito pelo presidente Bush para que o pacote seja votado rapidamente, senadores democratas e republicanos estão falando a mesma linguagem. Querem mais tempo para examinar o alcance das medidas e introduzir modificações no texto enviado pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson. Bush, que desde a queda das bolsas faz de duas a três aparições nos noticiários de TV, bate numa só tecla, pedindo urgência.
Mas em meio a toda essa crise, quando o desespero segue contaminando toda a sociedade, pelo menos um, entre os mais de 300 milhões de habitantes dos Estados Unidos, está lucrando com a rendição do capitalismo. Trata-se do senador Barack Husseim Obama, candidato do Partido Democrata à Casa Branca.
Uma semana depois do anúncio do pacote de resgate dos bancos, Obama viu crescer o número das intenções de voto a seu favor. Um dia antes das bolsas despencarem em Wall Street, ele estava tecnicamente empatado com John McCain, com 45%. O adversário contava com 47%. Agora, Obama lidera a pesquisa com 50% e John Mc- Cain despencou, junto com as bolsas, para 44%.
A queda levou McCain, que até agora vinha mantendo uma crítica discreta a seu correligionário George W. Bush, a endurecer o discurso. No final de setembro, quando o Congresso começou, de fato, a debater o Proer de Bush, o candidato republicano não escondeu suas dúvidas e disse que o secretário do Tesouro precisa ser mais fiscalizado. Afinal de contas, é ele quem vai decidir onde gastar tantos bilhões.
E arrematou com a frase que doeu nos ouvidos do presidente: “Nunca antes, na história desse país, tanto poder e dinheiro ficaram concentrados nas mãos de apenas uma pessoa. Isso me deixa extremamente desconfortável.”
Por ora, o desconforto parece estar localizado mas, com o agravamento da crise, diferente da queda do Muro de Berlim, quando alemães do Leste e Oeste se abraçavam, dançavam e cantavam juntos o reencontro, na queda da Rua do Muro (ou Wall Street), no lugar de cantos e abraços, os Estados Unidos, repetindo cenas dos anos de 1920, vai ver ranger de dentes, fome, suicídio e um adeus a um estilo de vida que eles sempre julgaram ser eterno. Igualzinho se viu nos filmes.
de Orlando (EUA)
FOI UMA longa espera! Mas, finalmente, aconteceu. Dezenove anos depois que os cacos das pedras do Muro de Berlim eram vendidos ou guardados como relíquias de um tempo a ser esquecido, anunciando o fim do Comunismo no Leste Europeu, a “Rua do Muro” ou, simplesmente, Wall Street – nome pela qual é conhecida uma acanhada e famosa rua em Nova York que governa os destinos do mundo –, viu suas montanhas de dólares se desmanchando.
E então, como sempre acontece nesses momentos em que o capital (leia-se banqueiros e especuladores) se vê diante da ruína, apelam, sem qualquer cerimônia, às premissas do comunismo, em que o Estado regula a economia e promove intervenções para ajustá-la. Foi assim no penúltimo domingo do verão de 2008 em Nova York. O primeiro sintoma da rendição se deu quando o American International Group foi socorrido pelo Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos) com uma ajuda de 85 bilhões de dólares. Aí a porteira se escancarou. O rombo era maior e a única alternativa foi apelar para os fundamentos da economia estatizada.
Sem pestanejar
George W. Bush cometeu o impensável: viveu seu dia de Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil, e anunciou um rico Proer para os bancos estadunidenses. A intervenção estatal, que sempre foi o pesadelo dos capitalistas, é gorda. Vai custar aos cofres e bolsos do povo estadunidense exatos 700 bilhões de dólares. Isso mesmo, 700 bilhões de dólares. Ou seja, três vezes mais do que os Estados Unidos gastaram em cinco anos da guerra do Vietnã.
A ajuda, desenvolvida nos laboratórios de Henry Paulson, secretário do Tesouro (correspondente ao nosso ministro da Fazenda), é equivalente a 40 orçamentos da Agência Espacial Nasa corresponde a 70% do produto interno bruto do Canadá e é maior do que o PIB de dois ricos países da América Latina – Chile e Argentina –, segundo cálculos feitos pelo Centro de Controle de Armas e Não-proliferação. Se essa dinheirama fosse distribuída ao povo do país, cada pessoa dos Estados Unidos receberia dois mil dólares. Já seria uma boa ajuda para quem não pode pagar os empréstimos pela compra da casa própria.
E é exatamente esse o raciocínio desenvolvido pelo Partido Democrata no Congresso. Deputados e senadores resolveram “melar” o Proer de George W. Bush e querem que parte desses 700 bilhões de dólares seja depositado na conta bancária do contribuinte, ele também vítima (e é quem vai pagar a conta da farra de Bush), porque muitos perderão a casa própria, espécie de totem da sociedade estadunidense.
Por causa disso, o debate sobre o pacote está atrasando a votação da mensagem enviada pelo presidente dos Estados Unidos ao Congresso. George W. pediu “urgência urgentíssima”, mas a maioria democrata ainda não está convencida de que deva votar com tanta pressa e sem conquistar alguns ganhos políticos. Nem mesmo o Partido Republicano, sigla do presidente Bush, está convencido de que deva votar o pacote de resgate dos bancos com tanta rapidez. Eles foram os primeiros a pedir mais tempo ao presidente.
E Bush, que em janeiro passa a faixa para seu sucessor, está cada dia mais cabisbaixo, mas não comove ninguém. Logo depois de mandar a mensagem dos 700 bilhões de dólares ao Congresso, com uma voz quase chorosa, disse: “a intervenção no mercado não é desejável, mas agora ela é essencial”.
Já os militantes do Partido Comunista Brasileiro, em documento divulgado no dia 22 de setembro, analisam a crise afirmando: “Os últimos acontecimentos destroem todos os mitos construídos nos últimos 30 anos, de que o pensamento único do livre mercado levaria a sociedade à abundância e que seria o ‘fi m da história’ para qualquer alternativa fora dos marcos capitalistas. Todos esses mitos criados para endeusar o neoliberalismo e toda a verborragia do livre mercado foram por água abaixo com a crise, que começou no ano passado e que se aprofunda agora de maneira avassaladora. Essa crise revela ao mundo a degeneração do sistema financeiro desregulado.
O feiticeiro já não consegue mais controlar suas bruxarias, e o alquimista está queimando as mãos com o fogo que acendeu”. Ou, diria Chico Buarque, “nada como o tempo após o contratempo”.
Tensão pré-crack
Todo esse esforço do presidente ainda não sensibilizou os apostadores de Wall Street. No dia 22 de setembro, as bolsas levaram um novo tombo. O índice Dow Jones, que é referência da bolsa de Nova York, caiu 3,27%, enquanto a Nasdaq recuou 4,17%.
As maiores baixas se deram nos títulos dos bancos, empresas construtoras e empresas manufatureiras. Os investidores também deixaram de apostar nas empresas aéreas que viram suas ações sofrerem uma queda de 9,4%. A queda das ações das aéreas está diretamente vinculada ao preço do barril de petróleo. Na tarde do dia 22, mais uma alta histórica, quando o barril chegou à casa dos 130 dólares.
Para se ter uma idéia do clima “salve-se quem puder” que se disseminou em Wall Street, o terceiro maior banco dos Estados Unidos, o JP Morgan, viu suas ações caírem em 13,3%. Resumindo, nem mesmo a mão aberta do pacote de George W. Bush tranqüiliza o mercado. Analistas financeiros dos principais jornais dos Estados Unidos são unânimes em criticar o plano porque, dizem eles, “é um plano inflacionário” e que dificilmente vai “ressuscitar” a economia do país.
A palavra “ressuscitar” e “resgatar” são as mais ouvidas no noticiário econômico. E nem mesmo o canal Fox News, porta- voz do espírito de sucesso e invulnerabilidade que faz parte da cultura do povo desse país, consegue transmitir otimismo. “Quem será o próximo?”, perguntam seus comentaristas, referindo-se à quebradeira dos bancos, seguradoras e grandes corporações, a exemplo da empresa “Linens and Things”, especializada em artigos de cama, mesa e banho, que tem lojas em todo o país, com mais de 100 mil empregados. Em meados de setembro, a empresa, tão tradicional quanto o McDonalds, anunciou sua falência. Ou seja, mais um exército de desempregados nas ruas.
Assim, por mais que tentem manter o sorriso de vitória, nenhum dos comentaristas se arrisca em dizer que há uma saída para a crise. E até mesmo os canais específicos de cinema começam a reprisar filmes célebres sobre o crack da bolsa de Nova York em 1929, entre eles, o premiado A Noite dos Desesperados, com Jane Fonda. Em outras palavras, os Estados Unidos vivem uma verdadeira tensão pré-crack, que pode ocorrer a qualquer momento ou, na melhor das hipóteses, ser adiado mais uma vez.
Profecia marxista
A crise já estava prevista. Quando participou da terceira edição do Fórum Social Mundial em Porto Alegre (RS), em janeiro de 2003, o filósofo marxista húngaro István Mészaros, ao se referir à hegemonia dos Estados Unidos, alertou para a crise com as mesmas palavras de seu livro Para Além do Capital. Disse ele: “Algo de significativamente novo está ocorrendo no sistema, em seu conjunto.
Sua natureza não pode ser explicada, como foi tentado no início, apenas em termos de uma crise cíclica tradicional, uma vez que tanto o âmbito como a duração da crise a que fomos submetidos nas últimas duas décadas superam hoje os limites historicamente conhecidos.
Tampouco parece plausível atribuir os sintomas identificáveis da crise à chamada ‘onda longa’: uma idéia que, como hipótese explicativa um tanto misteriosa, foi apologeticamente injetada em debates recentes.”
Mészaros foi além na sua profecia, afirmando que os sintomas da crise “se multiplicam e sua severidade é agravada, parece muito mais plausível que o conjunto do sistema esteja se aproximando de certos limites estruturais do capital, ainda que seja excessivamente otimista sugerir que o modo de produção capitalista já atingiu seu ponto de não-retorno a caminho do colapso”. Enfim, não foi por falta de aviso que a crise se instalou na maior potência econômica do planeta. Para Além do Capital foi editado há 13 anos e George Bush nem precisava de tradução, porque o livro saía em inglês pela Merlin, e não em húngaro.
Para os demais – principalmente os integrantes do G7, que aplaudiram o Proer de Bush, embora rejeitem aplicar a mesma fórmula nos sete países mais ricos do mundo –, o filósofo Mészaros tem mais a dizer. Ele acende o pisca-alerta dizendo que o mundo precisa “encarar a perspectiva de complicações muito sérias quando o calote dos Estados Unidos reverberar na economia global com toda sua força, num futuro não muito distante. Afinal, não devemos esquecer que o governo dos EUA já descumpriu – sob a presidência de Richard Nixon – seu compromisso solene relativo à convertibilidade do dólar ao ouro, sem a menor atenção com o interesse daqueles diretamente atingidos por tal decisão e, de fato, sem a mínima preocupação com as implicações de sua ação unilateral para o futuro do sistema monetário internacional”. Quem avisa, amigo é, e Mészaros costuma acertar.
Na contramão do filósofo, o megaespeculador George Soros, guru das finanças nos Estados Unidos, não acredita que o sistema capitalista esteja na UTI. Em entrevista concedida ao jornal francês Le Monde, ele garante que “Wall Street não está afundando. Wall Street está em crise”. E acredita que a quebradeira geral é fruto do “fundamentalismo do mercado, baseado naquela ideologia do ‘deixa rolar’ e da auto-regulação do mercado. A crise não foi provocada por fatores externos, ela é apenas a conseqüência de uma catástrofe natural. Foi o sistema que provocou sua própria perda.
Ele implodiu, ou seja, sofreu um colapso por dentro”. Por essa razão, Soros diz que, dessa vez, a crise traz um fato novo, que é a possibilidade de “uma explosão do sistema”. E, na mesma linha de raciocínio do presidente Lula, o megaespeculador comunga da opinião de que o pacote econômico anunciado pelo presidente dos Estados Unidos foi uma decisão que demorou a chegar.
Com críticas ao ex-presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, por ter deixado os juros muito baixos durante muito tempo, Soros, que é considerado um homem” de esquerda” dentro dos Estados Unidos, diz que “enquanto as autoridades hesitam, a situação vai se deteriorando e, além disso, essas intervenções são paliativas, e não preventivas”.
Quem ganha
No Congresso, os debates começaram a chegar ao ponto de ebulição. Sem qualquer entusiasmo ao apelo feito pelo presidente Bush para que o pacote seja votado rapidamente, senadores democratas e republicanos estão falando a mesma linguagem. Querem mais tempo para examinar o alcance das medidas e introduzir modificações no texto enviado pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson. Bush, que desde a queda das bolsas faz de duas a três aparições nos noticiários de TV, bate numa só tecla, pedindo urgência.
Mas em meio a toda essa crise, quando o desespero segue contaminando toda a sociedade, pelo menos um, entre os mais de 300 milhões de habitantes dos Estados Unidos, está lucrando com a rendição do capitalismo. Trata-se do senador Barack Husseim Obama, candidato do Partido Democrata à Casa Branca.
Uma semana depois do anúncio do pacote de resgate dos bancos, Obama viu crescer o número das intenções de voto a seu favor. Um dia antes das bolsas despencarem em Wall Street, ele estava tecnicamente empatado com John McCain, com 45%. O adversário contava com 47%. Agora, Obama lidera a pesquisa com 50% e John Mc- Cain despencou, junto com as bolsas, para 44%.
A queda levou McCain, que até agora vinha mantendo uma crítica discreta a seu correligionário George W. Bush, a endurecer o discurso. No final de setembro, quando o Congresso começou, de fato, a debater o Proer de Bush, o candidato republicano não escondeu suas dúvidas e disse que o secretário do Tesouro precisa ser mais fiscalizado. Afinal de contas, é ele quem vai decidir onde gastar tantos bilhões.
E arrematou com a frase que doeu nos ouvidos do presidente: “Nunca antes, na história desse país, tanto poder e dinheiro ficaram concentrados nas mãos de apenas uma pessoa. Isso me deixa extremamente desconfortável.”
Por ora, o desconforto parece estar localizado mas, com o agravamento da crise, diferente da queda do Muro de Berlim, quando alemães do Leste e Oeste se abraçavam, dançavam e cantavam juntos o reencontro, na queda da Rua do Muro (ou Wall Street), no lugar de cantos e abraços, os Estados Unidos, repetindo cenas dos anos de 1920, vai ver ranger de dentes, fome, suicídio e um adeus a um estilo de vida que eles sempre julgaram ser eterno. Igualzinho se viu nos filmes.
Fonte:www.brasildefato.com.br
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