Sociologia
27/02/2009
Ditadura Militar ou "ditabranda" da Folha de São Paulo?
Renato Godoy de Toledo,
da Redação
Em editorial no dia 17 de fevereiro, o jornal paulista Folha de S.Paulo criticou a vitória do “Sim” no referendo na Venezuela, que permite a reeleição ilimitada de políticos em cargos eletivos naquele país. A oposição do jornal ao mandatário venezuelano não foi surpresa, já que todos os meios da chamada grande imprensa seguem essa postura. No entanto, ao comparar o processo venezuelano com as ditaduras militares latino-americanas, a Folha criou um neologismo que causou indignação entre representantes da sociedade civil.
Para o jornal controlado pela família Frias, o regime militar brasileiro foi uma “ditabranda”. O editorial afirma que as ditaduras brasileiras percorreram o caminho inverso dos atuais presidentes de esquerda da América Latina. Enquanto os militares romperam com a institucionalidade democrática e “implantavam formas controladas de disputa política”, os novos “autoritários” “minam os controles democráticos por dentro”. Vale lembrar que Chávez, em 10 anos de poder, disputou 15 eleições, venceu 14, sendo uma delas proposta por ele mesmo para que o eleitorado decidisse sobre sua continuidade, em 2004. Todos os processos foram acompanhados por observadores internacionais.
Indignação
A opinião do diário causou indignação entre alguns leitores. No dia 19 de fevereiro, o leitor Sérgio Pinheiro Lopes teve sua carta publicada na Folha. Para ele, a atitude da publicação é “um tapa na cara da história da nação e uma vergonha para este diário”. A redação respondeu: “Na comparação com outros regimes instalados na região no período, a ditadura brasileira apresentou níveis baixos de violência política e institucional”.
No dia seguinte, mais cinco cartas foram publicadas sobre o tema. Apenas um militar reformado defendeu o jornal. Entre os críticos do editorial, estavam o jurista Fábio Konder Comparato e a cientista política Maria Victoria Benevides, que foram ofendidos pela nota da redação: “A Folha respeita a opinião de leitores que discordam da qualificação aplicada em editorial ao regime militar brasileiro e publica algumas dessas manifestações acima. Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua ‘indignação’ é obviamente cínica e mentirosa”.
Reação
O professor de direito da Universidade de São Paulo, Fábio Konder Comparato, analisa o caso para saber qual a providência deve tomar. “A primeira medida que eu tomei foi cancelar a assinatura do jornal, porque um jornal que se preza não pode ter como assinante um cínico e mentiroso. De resto, estou analisando o caso para ver se cabe uma ação judicial [contra o diário]”, afirmou.
Para o jurista, o caso é sintomático. “Acho que é a primeira vez que um jornal usa essa expressão de muito mal gosto [‘ditabranda’]. Em um momento em que se discute a anistia aos assassinos, estupradores e torturadores, a postura do jornal vai ser avaliada”, acredita.
Maria Victoria Benevides também considera que a reação do jornal é uma contra-ofensiva ao movimento que debate a anistia a torturadores da ditadura. “Todo esse descontrole da Folha de S. Paulo, que passa do nível do irracionalismo e da indecência, se deve a uma reação contra uma campanha, na qual o professor Fábio e eu estamos envolvidos, de discutir a anistia aos torturadores, que visa questionar vários pontos do regime militar que tem sido tratado no velho estilo da conciliação brasileira”, analisa.
Tal como Comparato, Benevides cancelou a assinatura do jornal e afirma que não irá mais escrever artigos ou conceder entrevistas ao periódico. Ela diz ter recebido dezenas de mensagens de solidariedade de ex-alunos e intelectuais, muitos dos quais afirmam ter cancelado a assinatura do jornal.
Benevides afirma que irá acompanhar o desdobramento judicial do caso ao lado de Comparato. “Eu tenho total confiança no professor Comparato e no seu saber jurídico. Vou acompanhar a decisão dele. No momento, temos que esperar um pouco, porque é uma época muito difícil de mobilizar as pessoas, por ser carnaval”, afirma.
O fato de a publicação ter aceitado a crítica de outros leitores, mas rechaçado a de Comparato e Benevides, é motivado por questões estritamente políticas, segundo ela. “O jornal está comprometido com outra proposta eleitoral, outro tipo de governo. Eles querem uma aliança com a política mais tradicional, oligárquica, ligado ao neoliberalismo e está se sentido a ameaça que pode ser a candidatura da Dilma Rousseff”, avalia.
A professora também critica a forma como a empresa identificou o autor das respostas. “Normalmente, a Folha publica no painel do leitor a resposta do autor da matéria. Mas dessa vez assinava como ‘da Redação’. Quem é a redação? O dono do jornal? O conselho editorial? Tenho certeza que no conselho editorial, o Jânio de Freitas e o Marcelo Coelho [colunistas do jornal], não escreveriam esses insultos”, pontua.
Colaboração na ditadura
De acordo com a cientista política, o editorial da Folha e a sua reação frente às críticas, fizeram com que muitos lembrassem do papel da empresa durante o regime militar. “Entre as mensagens que tenho recebido, muitos estão ressaltando o fato de que a Folha da Manhã emprestava seus furgões à repressão para transportar presos e torturados”, revela.
última modificação 26/02/2009 15:20
O abaixo-assinado também presta solidariedade ao jurista Fabio Konder Comparato e à cientista política Maria Victoria Benevides
26/02/2009
Um grupo de intelectuais lançou, no último sábado (21), um manifesto na internet em repúdio ao jornal Folha de S.Paulo por suas mais recentes afirmações em defesa da ditadura civil-militar no Brasil. Em editorial no dia 17 de fevereiro, ao criticar o resultado do referendo na Venezuela, que deu chances de reeleição ilimitada ao presidente Hugo Chávez, o periódico paulista classificou o regime militar brasileiro como “ditabranda”, uma vez que teria sido menos violenta em comparação aos regimes instaurados em outros países da América Latina.
O abaixo-assinado também presta solidariedade ao jurista Fabio Konder Comparato e à cientista política Maria Victoria Benevides que, ao enviarem cartas em repúdio ao jornal, foram chamados de "cínicos" e "mentirosos" em uma nota de Redação.
Até agora, três mil intelectuais já aderiram ao manifesto. Para assinar, basta acessar o endereço eletrônico http://www.ipetitions.com/petition/solidariedadeabenevidesecomparat/index.html
Manifesto
Repúdio e solidariedade
"Ante a viva lembrança da dura e permanente violência desencadeada pelo regime militar de 1964, os abaixo-assinados manifestam seu mais firme e veemente repúdio a arbitrária e inverídica revisão histórica contida no editorial da Folha de S.Paulo do dia 17 de fevereiro de 2009. Ao denominar ditabranda o regime político vigente no Brasil de 1964 a 1985, a direção editorial do jornal insulta e avilta a memória dos muitos brasileiros e brasileiras que lutaram pela redemocratização do país. Perseguições, prisões iníquas, torturas, assassinatos, suicídios forjados e execuções sumárias foram crimes corriqueiramente praticados pela ditadura militar no período mais longo e sombrio da história política brasileira. O estelionato semântico manifesto pelo neologismo ditabranda e, a rigor, uma fraudulenta revisão histórica forjada por uma minoria que se beneficiou da suspensão das liberdades e direitos democráticos no pós-1964".
Repudiamos, de forma igualmente firme e contundente, a Nota de redação, publicada pelo jornal em 20 de fevereiro (p. 3) em resposta as cartas enviadas a Painel do Leitor pelos professores Maria Victoria de Mesquita Benevides e Fabio Konder Comparato. Sem razões ou argumentos, a Folha de S. Paulo perpetrou ataques ignominiosos, arbitrários e irresponsáveis a atuação desses dois combativos acadêmicos e intelectuais brasileiros. Assim, vimos manifestar-lhes nosso irrestrito apoio e solidariedade ante as insólitas críticas pessoais e políticas contidas na infamante nota da direção editorial do jornal.
Pela luta pertinaz e consequente em defesa dos direitos humanos, Maria Victoria Benevides e Fabio Konder Comparato merecem o reconhecimento e o respeito de todo o povo brasileiro.
fonte: http://www.brasildefato.com.br/
da Redação
Em editorial no dia 17 de fevereiro, o jornal paulista Folha de S.Paulo criticou a vitória do “Sim” no referendo na Venezuela, que permite a reeleição ilimitada de políticos em cargos eletivos naquele país. A oposição do jornal ao mandatário venezuelano não foi surpresa, já que todos os meios da chamada grande imprensa seguem essa postura. No entanto, ao comparar o processo venezuelano com as ditaduras militares latino-americanas, a Folha criou um neologismo que causou indignação entre representantes da sociedade civil.
Para o jornal controlado pela família Frias, o regime militar brasileiro foi uma “ditabranda”. O editorial afirma que as ditaduras brasileiras percorreram o caminho inverso dos atuais presidentes de esquerda da América Latina. Enquanto os militares romperam com a institucionalidade democrática e “implantavam formas controladas de disputa política”, os novos “autoritários” “minam os controles democráticos por dentro”. Vale lembrar que Chávez, em 10 anos de poder, disputou 15 eleições, venceu 14, sendo uma delas proposta por ele mesmo para que o eleitorado decidisse sobre sua continuidade, em 2004. Todos os processos foram acompanhados por observadores internacionais.
Indignação
A opinião do diário causou indignação entre alguns leitores. No dia 19 de fevereiro, o leitor Sérgio Pinheiro Lopes teve sua carta publicada na Folha. Para ele, a atitude da publicação é “um tapa na cara da história da nação e uma vergonha para este diário”. A redação respondeu: “Na comparação com outros regimes instalados na região no período, a ditadura brasileira apresentou níveis baixos de violência política e institucional”.
No dia seguinte, mais cinco cartas foram publicadas sobre o tema. Apenas um militar reformado defendeu o jornal. Entre os críticos do editorial, estavam o jurista Fábio Konder Comparato e a cientista política Maria Victoria Benevides, que foram ofendidos pela nota da redação: “A Folha respeita a opinião de leitores que discordam da qualificação aplicada em editorial ao regime militar brasileiro e publica algumas dessas manifestações acima. Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua ‘indignação’ é obviamente cínica e mentirosa”.
Reação
O professor de direito da Universidade de São Paulo, Fábio Konder Comparato, analisa o caso para saber qual a providência deve tomar. “A primeira medida que eu tomei foi cancelar a assinatura do jornal, porque um jornal que se preza não pode ter como assinante um cínico e mentiroso. De resto, estou analisando o caso para ver se cabe uma ação judicial [contra o diário]”, afirmou.
Para o jurista, o caso é sintomático. “Acho que é a primeira vez que um jornal usa essa expressão de muito mal gosto [‘ditabranda’]. Em um momento em que se discute a anistia aos assassinos, estupradores e torturadores, a postura do jornal vai ser avaliada”, acredita.
Maria Victoria Benevides também considera que a reação do jornal é uma contra-ofensiva ao movimento que debate a anistia a torturadores da ditadura. “Todo esse descontrole da Folha de S. Paulo, que passa do nível do irracionalismo e da indecência, se deve a uma reação contra uma campanha, na qual o professor Fábio e eu estamos envolvidos, de discutir a anistia aos torturadores, que visa questionar vários pontos do regime militar que tem sido tratado no velho estilo da conciliação brasileira”, analisa.
Tal como Comparato, Benevides cancelou a assinatura do jornal e afirma que não irá mais escrever artigos ou conceder entrevistas ao periódico. Ela diz ter recebido dezenas de mensagens de solidariedade de ex-alunos e intelectuais, muitos dos quais afirmam ter cancelado a assinatura do jornal.
Benevides afirma que irá acompanhar o desdobramento judicial do caso ao lado de Comparato. “Eu tenho total confiança no professor Comparato e no seu saber jurídico. Vou acompanhar a decisão dele. No momento, temos que esperar um pouco, porque é uma época muito difícil de mobilizar as pessoas, por ser carnaval”, afirma.
O fato de a publicação ter aceitado a crítica de outros leitores, mas rechaçado a de Comparato e Benevides, é motivado por questões estritamente políticas, segundo ela. “O jornal está comprometido com outra proposta eleitoral, outro tipo de governo. Eles querem uma aliança com a política mais tradicional, oligárquica, ligado ao neoliberalismo e está se sentido a ameaça que pode ser a candidatura da Dilma Rousseff”, avalia.
A professora também critica a forma como a empresa identificou o autor das respostas. “Normalmente, a Folha publica no painel do leitor a resposta do autor da matéria. Mas dessa vez assinava como ‘da Redação’. Quem é a redação? O dono do jornal? O conselho editorial? Tenho certeza que no conselho editorial, o Jânio de Freitas e o Marcelo Coelho [colunistas do jornal], não escreveriam esses insultos”, pontua.
Colaboração na ditadura
De acordo com a cientista política, o editorial da Folha e a sua reação frente às críticas, fizeram com que muitos lembrassem do papel da empresa durante o regime militar. “Entre as mensagens que tenho recebido, muitos estão ressaltando o fato de que a Folha da Manhã emprestava seus furgões à repressão para transportar presos e torturados”, revela.
Intelectuais lançam manifesto em repúdio à Folha de S.Paulo
por Michelle Amaral da Silvaúltima modificação 26/02/2009 15:20
O abaixo-assinado também presta solidariedade ao jurista Fabio Konder Comparato e à cientista política Maria Victoria Benevides
26/02/2009
Um grupo de intelectuais lançou, no último sábado (21), um manifesto na internet em repúdio ao jornal Folha de S.Paulo por suas mais recentes afirmações em defesa da ditadura civil-militar no Brasil. Em editorial no dia 17 de fevereiro, ao criticar o resultado do referendo na Venezuela, que deu chances de reeleição ilimitada ao presidente Hugo Chávez, o periódico paulista classificou o regime militar brasileiro como “ditabranda”, uma vez que teria sido menos violenta em comparação aos regimes instaurados em outros países da América Latina.
O abaixo-assinado também presta solidariedade ao jurista Fabio Konder Comparato e à cientista política Maria Victoria Benevides que, ao enviarem cartas em repúdio ao jornal, foram chamados de "cínicos" e "mentirosos" em uma nota de Redação.
Até agora, três mil intelectuais já aderiram ao manifesto. Para assinar, basta acessar o endereço eletrônico http://www.ipetitions.com/petition/solidariedadeabenevidesecomparat/index.html
Manifesto
Repúdio e solidariedade
"Ante a viva lembrança da dura e permanente violência desencadeada pelo regime militar de 1964, os abaixo-assinados manifestam seu mais firme e veemente repúdio a arbitrária e inverídica revisão histórica contida no editorial da Folha de S.Paulo do dia 17 de fevereiro de 2009. Ao denominar ditabranda o regime político vigente no Brasil de 1964 a 1985, a direção editorial do jornal insulta e avilta a memória dos muitos brasileiros e brasileiras que lutaram pela redemocratização do país. Perseguições, prisões iníquas, torturas, assassinatos, suicídios forjados e execuções sumárias foram crimes corriqueiramente praticados pela ditadura militar no período mais longo e sombrio da história política brasileira. O estelionato semântico manifesto pelo neologismo ditabranda e, a rigor, uma fraudulenta revisão histórica forjada por uma minoria que se beneficiou da suspensão das liberdades e direitos democráticos no pós-1964".
Repudiamos, de forma igualmente firme e contundente, a Nota de redação, publicada pelo jornal em 20 de fevereiro (p. 3) em resposta as cartas enviadas a Painel do Leitor pelos professores Maria Victoria de Mesquita Benevides e Fabio Konder Comparato. Sem razões ou argumentos, a Folha de S. Paulo perpetrou ataques ignominiosos, arbitrários e irresponsáveis a atuação desses dois combativos acadêmicos e intelectuais brasileiros. Assim, vimos manifestar-lhes nosso irrestrito apoio e solidariedade ante as insólitas críticas pessoais e políticas contidas na infamante nota da direção editorial do jornal.
Pela luta pertinaz e consequente em defesa dos direitos humanos, Maria Victoria Benevides e Fabio Konder Comparato merecem o reconhecimento e o respeito de todo o povo brasileiro.
fonte: http://www.brasildefato.com.br/