Disciplina - Sociologia

Sociologia

13/03/2009

O socialismo, em Cuba, é irrevogável

12/03/2009
Igor Ojeda e
Tatiana Merlino
enviados a Cuba

Da Baía dos Porcos, a distância até Jagüey Grande, à beira da Rodovia Central, não é grande. Uma estreita estrada esburacada, de uns 50 ou 60 quilômetros, separa os dois locais. Mas não são os defeitos no asfalto que mais chamam a atenção. Assim como em quase todos os cruzamentos e acostamentos, dezenas e pessoas pedem carona. (Em Cuba, essa prática é institucionalizada).
Uma delas é uma jovem na faixa dos 25 anos, que sobe ao carro na companhia de uma amiga. Cubana de nascimento, já não mora na ilha caribenha há sete anos, desde que mudou para Paris com seu marido francês. De férias, veio a seu país de origem para visitar a família.
Perguntada sobre o que acha da Revolução e do governo, não demora a fazer críticas. Lamenta as restrições às viagens para o exterior, as proibições de hospedagem a estrangeiros, a falta de possibilidades para a abertura para pequenos negócios.
A solução, então, é o capitalismo? “Não, de jeito nenhum!”, exclama.
Em Cuba, o fim do socialismo está fora de cogitação. Pelo menos essa é a impressão que fica ao se viajar pelo país, andar pelas ruas, falar com o povo. “Muita gente sai do país achando que será melhor, mas, quando saímos, vemos que não é assim. Aqui não tem crianças na rua, todo mundo tem saúde. Só acho que tem que melhorar algumas coisas”, se explica a jovem, que trabalha como garçonete na capital da França.
Orgulho
Apesar das muitas ponderações sobre os problemas internos, a mudança do sistema político e social não entra na conversa. Nas bocas da população, a Revolução é sinônimo de independência, dignidade e, sobretudo, justiça social. E as cubanas e cubanos se orgulham disso.
A ocasião da comemoração dos 50 anos da Revolução é ideal para comprovar tal sentimento. Durante o período entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, podia-se ver, nas fachadas de muitas casas e estabelecimentos, bandeiras de Cuba, do Movimento 26 de Julho (criado por Fidel Castro antes do triunfo), faixas e cartazes lembrando a data. Muitos dos prédios ornamentados, é verdade, eram hotéis, restaurantes e ministérios estatais. Mas pessoas “comuns” também faziam questão de mostrar que estão com a Revolução. Em suas residências, cartazes simples, de papelão, pintados com singelas inscrições, recordavam o cinquentenário da definitiva vitória rebelde sobre as forças do ex-ditador Fulgencio Batista.
O orgulho, porém, se mostra mesmo nas palavras. “Aqui não se paga pela educação, nem pela saúde. Quem precisa de uma cirurgia, de um atendimento médico, é só ir no hospital. Os remédios custam quase nada, têm um preço irrisório”, conta uma moradora de Bayamo, no oriente de Cuba, após se gabar de que seu país, ao contrário do Brasil, não sentiria os efeitos da crise econômica mundial: “aqui não!”.
“Irrevogável”

Talvez a demonstração mais contundente, até hoje, do apoio popular ao socialismo em Cuba foi dada em 2002, após o ex-presidente estadunidense, George W. Bush, “exigir” mudanças no sistema político cubano. Entre os dias 15 e 18 de junho, mais de oito milhões de pessoas (de uma população de cerca de 11 milhões), atendendo ao chamado de organizações sociais, firmaram um abaixo-assinado pedindo uma reforma constitucional que estabelecesse, na Carta Magna, o caráter “permanente” e “irrevogável” do socialismo e do modelo político e social do país.
Assim, após a aprovação da alteração na Assembléia Nacional, o novo artigo 3 da Constituição reforçava: “O socialismo e o sistema político e social revolucionário estabelecido nesta Constituição, testado por anos de heróica resistência diante das agressões de todo tipo e da guerra econômica dos governos da potência imperialista mais poderosa que já existiu e, havendo demonstrado sua capacidade de transformar o país e criar uma sociedade inteiramente nova e justa, é irrevogável, e Cuba nunca mais voltará ao capitalismo”.
Poder popular

O socialismo cubano, na prática, havia sido paulatinamente implementado desde o triunfo da Revolução, em 1959. No entanto, foi só a partir de fevereiro de 1976 que o sistema político ganhou caráter oficial, com a promulgação da nova Constituição do país, que foi aprovada pelo voto livre, direto e secreto de 97,7% dos eleitores. A partir daí, consolidava-se um Estado Socialista de Direito.
Entre os pontos, estavam a instituição de um sistema de poder popular, como a nominação direta, pelo povo, de candidatos às eleições, a revogação de cargos e a rendição de contas aos eleitores; grandes prerrogativas legais para o Conselho de Ministros e de Estado; protagonismo do Estado no sistema político do país, com estrutura centralizada de direção; reconhecimento do Partido Comunista Cubano (PCC) como a força dirigente do Estado e da sociedade; propriedade estatal de tudo que não fosse pessoal, de pequeno produtor, de cooperativas ou de organizações sociais; e a unidade de poder e o centralismo democrático.
Em 1992, após a queda da União Soviética (URSS), o fim do suporte econômico e a entrada no chamado Período Especial, Cuba, vendo-se diante de uma situação bastante difícil, realizou uma ampla reforma em sua Constituição. Entre as modificações, figuraram a permissão do investimento estrangeiro; a limitação da propriedade estatal aos meios fundamentais de produção, permitindo, na prática, a propriedade privada sobre estes; e o estabelecimento de eleições diretas para as assembléias provinciais e nacional. A idéia, com a reforma, era conceder mais poder aos cidadãos: ampliação das eleições diretas de juízes e a criação dos Conselhos Populares, entre outras medidas.
Transformação

“Meu nome é Guadalupe, mas todos me chamam de Lupita”. Sorriso e maquiagem no rosto, brincos, colar e pulseiras, Lupita recebe os hóspedes com amabilidade. Mostra os quartos numa área anexa de sua casa, explica o funcionamento do chuveiro, pede os passaportes e, em seguida, volta oferecendo cerveja em lata.
Negra, aparentando uns 60 anos, mora com o marido, o filho e uma irmã. Seu canto, em Santiago de Cuba, é simples, mas bem decorado. Artesanatos, fotos, panos, flores... O olhar do visitante, viciado com a dura realidade brasileira, já conclui: família simples, de pouca instrução.
No dia seguinte, a impressão se desfaz nas primeiras palavras de Lupita: “Dáli, minha irmã, é médica-ginecologista. Luis, meu filho, estuda Direito”. Em seguida, “provocados”, todos começam a falar sobre os mais variados temas, nacionais e internacionais: democracia, embargo estadunidense, União Soviética, economia, Equador, Obama, Lula...
“Se não fosse a Revolução, não estaríamos conversando agora. Não teríamos como pagar os estudos de minha irmã e meu filho. Seria muito custoso. Poderíamos até ter profissão, mas não haveria emprego”, sentencia Lupita.
Sua vida e a de seus familiares, assim como a de milhões de cubanos, mudou após o triunfo da Revolução, em 1959. Se os rebeldes não tivessem chegado ao poder, provavelmente ela e seus parentes não teriam o nível de vida que possuem hoje.
Com o novo sistema político, Cuba conquistou níveis de universalização e qualidade no que se refere ao acesso à educação e à saúde, pilares da política social do regime, juntamente com a seguridade social. “Hoje, não tem ninguém desamparado. O pouquinho que há, se reparte entre todos. Se você fica doente, vai ao médico e não custa nada. Se não existisse o bloqueio econômico, estaríamos muito melhor. Hoje, mesmo com todos os ciclones, não falta nada a ninguém”, afirma Pedro Luis Sánchez, ex-carvoeiro de Playa Las Coloradas, no oriente cubano.
(Leia mais na edição 315 do Brasil de Fato)

fonte:www.brasildefato.com.br
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