Disciplina - Sociologia

Sociologia

28/05/2009

Artigo científico do sociólogo Ricardo Costa de Oliveira desvenda as amarras entre famílias e seus esquemas de perpetuação na política paranaense,

Famílias, poder e riqueza: redes políticas no Paraná em 2007

Ricardo Costa de Oliveira
Sociólogo. Professor Adjunto da Universidade Federal do Paraná

RESUMO
A estrutura de poder não é uma abstração, ela se materializa em situações objetivas de posse de riqueza, se reproduz e se consolida graças a redes políticas, sociais e de parentesco. As redes políticas de poder são definidas neste artigo como conexões de interesses envolvendo, basicamente, empresários e cargos políticos no aparelho de Estado, no executivo, legislativo e no judiciário e, também, em outros espaços de poder buscando assegurar vantagens e privilégios para os participantes. Além da ideologia que lhe reforça a legitimidade, as redes podem utilizar artifícios tais como o nepotismo, o clientelismo e a corrupção.
O estado do Paraná é apresentado como exemplo de modernidade, de racionalidade, de adesão aos valores e às práticas de um capitalismo regido pelos princípios de impessoalidade e de eficiência. Neste artigo mostraremos que isso é um mito. Para tanto, procederemos à genealogia de famílias que detêm poder e riqueza na atualidade, mas que estão associadas aos interesses dominantes há quase 300 anos. Nomes ilustres da política e da economia compõem uma surpreendente e intricada rede de relações familiares, de parentesco e de privilegiamento que assegura a estrutura do poder nas mais diversas conjunturas econômicas e políticas.
Palavras-chave: Redes políticas de poder, redes sociais dominantes, grupos dominantes, genealogia do poder.

Introdução
O estudo analítico dos ricos e poderosos é, antes de qualquer coisa, o estudo sobre uma ampla rede social (Marques, 1999) e política de interesses. Muitas vezes, as conexões e os capitais sociais e políticos são acumulados ao longo de diversas gerações, como pude demonstrar na obra O Silêncio dos Vencedores. Genealogia, Classe Dominante e Estado no Paraná (Oliveira, 2001). No Brasil, a ação social e econômica dos poderosos fundamenta-se em torno do aparelho de Estado, como forma direta e indireta de controles do fluxo de informações, capitais e privilégios essenciais para a reprodução ampliada da classe dominante. O mesmo vale em outro sentido: a pobreza, a carência e a miséria também podem ser consideradas produtos da falta de políticas sociais do Estado. Pobreza e riqueza, poder e carência são diferentes lados da mesma moeda social, econômica e política.
Definimos rede política como uma conexão de interesses envolvendo empresários e cargos políticos no aparelho de Estado em diferentes poderes, no executivo, legislativo e no judiciário, e em outros espaços de poder em função de operações de mútuo benefício e ações político-financeiras articuladas na informalidade. Esse é o caso de um grande empreiteiro que, ao participar de licitações de obras públicas realizas por prefeituras e secretarias de governo, tenha conexões com deputados, desembargadores e/ou conselheiros do Tribunal de Contas, bem como com funcionários de segundo escalão e jornalistas, em uma rede política formada para comporem uma unidade de ação político-financeira de mútuo interesse e benefício. Essas são as redes políticas, que procuramos definir neste artigo.
Nepotismo, clientelismo e diferentes artifícios são utilizados para as finalidades e resultados das redes políticas, que operam muitas vezes nos limites da legalidade e, por vezes, na ilegalidade. Redes políticas são de difícil visualização para o próprio ministério público, também passível de ser colonizado por redes políticas específicas. Podemos pesquisar em públicos diferentes redes políticas envolvendo parentes, amigos e assessores conectados em esquemas de poder. As redes mudam e transformam-se conforme as alterações da conjuntura e dos governantes. Apresentam múltiplos e diferentes esquemas para distintos governos e atores. No entanto, seguem certa continuidade e revezamento de longa duração, muitas vezes em algumas poucas famílias políticas, e incorporam sempre novos participantes a cada conjuntura, de modo que cada governo e cada legislatura têm novas e velhas conexões em constante formação e transformação. Uma rede política pode ser bastante simples e efetiva. Há quase cinqüenta anos, apenas um empreiteiro, um diretor do Departamento de Estradas de Rodagem e um desembargador do Tribunal de Justiça, todos amigos ou parentes, bastavam para montar um esquema de desfalque no Estado. As transações envolviam poucas pessoas, mas permitiam iniciar um esquema que hoje está na origem de grandes e prestigiosas empresas.
Pesquisar os ricos e poderosos é uma tarefa central e extremamente difícil para a Sociologia crítica. O objeto de investigação quase nunca se revela de maneira transparente e integral, obrigando o pesquisador a utilizar procedimentos equivalentes aos de um detetive de causas escusas.
A riqueza e o poder no Brasil existem em função da conciliação de interesses dominantes em termos de um processo político de longa duração, processo esse definido basicamente pela conciliação entre os poderosos. O que sempre intrigou vários autores é a análise de continuidade das estruturas de poder ao longo de mudanças políticas na história do Brasil. Raimundo Faoro (1985), na obra Os Donos do Poder, aponta as questões da continuidade e da grande adaptabilidade de atores e grupos políticos ao longo de diferentes conjunturas, fenômeno também comprovado por Paulo Mercadante (1965) em A Consciência Conservadora no Brasil.
As mudanças ocorridas na sociedade brasileira ao longo das últimas décadas e dos últimos anos parecem ratificar as constatações dos dois autores. A chegada ao poder do primeiro Presidente da República de origem operária e a situação do Partido dos Trabalhadores alçado ao poder não significaram uma alteração profunda nos mecanismos de poder e de dominação tradicionais no Brasil. A implementação de novas políticas sociais possibilitou uma pequena distribuição de renda (Fundação…, 2006). No entanto, a chegada de Lula e do PT ao poder não representou mudanças políticas significativas na estrutura da distribuição de renda e do poder econômico, comprovando as teses de Faoro e Mercadante no que diz respeito à conciliação e à continuidade das situações básicas.
Genealogia e permanência das redes sociais dos dominantes: o caso do Paraná
Uma correta teorização dessa realidade depende de estudos empíricos que identifiquem a origem, o funcionamento e as dimensões das redes políticas de poder e riqueza que, embora determinantes, não aparecem como tal. A estrutura social e política do estado do Paraná permite ilustrar essa tese. Historicamente sintonizado com a ordem dominante central, o estado é frequentemente apresentado como exemplo de modernidade, de racionalidade, de adesão aos valores e às práticas de um capitalismo regido pelos princípios da impessoalidade e da eficiência. Neste artigo, mostraremos como isso é um mito, continuando fortes e operativas as redes políticas mesmo quando se trata de um governo considerado de esquerda como o do Governador Roberto Requião de Mello e Silva, cujo discurso de posse no segundo mandado foi uma apologia às posições políticas de esquerda.1
Governo, poder e riqueza
Os exemplos multiplicam-se e revelam relações surpreendentes. No dia 27 de março de 2007, foi inaugurada uma unidade da saúde da Prefeitura de Curitiba com o nome de Wallace Thadeu de Mello e Silva, homenagem feita pelo Prefeito de Curitiba, Carlos Alberto Richa (Beto Richa), ao pai do Governador Roberto Requião de Mello e Silva. A homenagem havia sido combinada antes de mais uma das constantes rusgas pessoais e políticas entre os chefes dos poderes executivos paranaense e curitibano.
A homenagem revela as complexas relações que existem no fechado círculo de poder que caracteriza a política paranaense. Depois do período dos interventores, realizou-se, em 1954, a primeira eleição direta para Prefeito de Curitiba, que teve como candidatos, entre outros, o já referido Wallace Thadeu de Mello e Silva e Ney Aminthas de Barros Braga, que venceria o pleito.
Ney Braga seria uma das mais importantes lideranças políticas do Paraná da segunda metade do século XX, destacando-se na ocupação de cargos municipais, estaduais e federais. Ney Braga começou na política com o apoio do então cunhado, o Governador Bento Munhoz da Rocha Neto, que era filho e genro de Governadores do Paraná.2 Ney Braga foi chefe de polícia, prefeito de Curitiba, deputado federal, governador do Paraná e Ministro da Agricultura e Educação. Foi formador e organizador de um grande grupo político, pelo qual passa ou no qual boa parte da elite política iniciase na vida política, administrativa e governamental do Paraná. Como muitos chefes do poder executivo paranaense, ele mesmo, um produto social de velhas famílias tradicionais na política paranaense desde o período colonial, representava a modernização conservadora das elites tradicionais paranaenses. Identificando apenas alguns poucos nomes, já se percebe o fenômeno das relações entre estruturas de parentesco e poder político. Nos últimos cinco períodos governamentais, entre 1991 e 2007, o poder executivo paranaense foi chefiado, fora interinidades e vices, por apenas dois governadores titulares, Roberto Requião – governador por três vezes (1991-1994, 2003-2006, 2007-2010) –, filho de Wallace Thadeu de Mello e Silva, e pelo ex-Prefeito de Curitiba, Jaime Lerner – governador por duas vezes (1995-2002) –, considerado o herdeiro político de Ney Braga.
Outro “herdeiro” de Ney Braga foi José Richa, Prefeito de Londrina, deputado, governador do Paraná eleito em 1982 nas primeiras eleições diretas desde 1964 e senador da República. Richa entrou na política pelas mãos de Ney Braga, depois passou à oposição para garantir sua eleição. Antes de falecer, deixou seu filho Beto Richa como um dos nomes fortes na política paranaense e atual Prefeito de Curitiba. Beto Richa casou com a então jovem herdeira do conglomerado Bamerindus, Fernanda, filha de Tomas Edson Andrade Vieira, um dos mais importantes banqueiros do Brasil na década de 1970, filho do fundador e comandante do grupo Bamerindus, Avelino Vieira. Fernanda Vieira Richa também descende da família Junqueira, uma antiga família de fazendeiros e latifundiários em Minas Gerais e em São Paulo desde o período colonial. Um irmão de Beto Richa, José Richa Filho, é Secretário de Administração da Prefeitura de Curitiba e, antes, foi diretor-financeiro do Departamento de Estradas de Rodagem do Governo do Paraná na gestão de Jaime Lerner e ocupou cargos na Agência de Fomento, no Governo Requião em 2003. Sobre ele, pesa a denúncia de ter feito pagamentos suspeitos a empreiteiras nos últimos dias do Governo Lerner.3 Outro filho do falecido ex-Governador é Adriano Richa, que ganhou cartório na Região Metropolitana de Curitiba, ainda na época em que o pai era vivo.4
No Paraná, abundam exemplos da conciliação como estratégia política dos dominantes. O atual Ministro da Agricultura é Reinhold Stephanes, que já trabalhou em altas esferas nos governos Geisel, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e agora Lula. Stephanes foi deputado federal, 1979-1983, pela ARENA; deputado federal, 1983-1987, pelo PDS; deputado federal, 1991-1995, pelo PFL; deputado federal, 1995-1999, novamente pelo PFL; deputado federal, 2005-2006 reeleito em 2006 pelo PMDB. Stephanes ocupou importantes cargos durante o regime militar: Diretor do INCRA, 1970-1973; Secretário de Apoio, MEC, 1974; Presidente, INPS, 1974-1979; Secretário de Agricultura do Estado do Paraná, 1979-1981; Ministro de Estado da Previdência Social no governo de Fernando Collor de Mello, 1992; Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social, 19951998, no governo de Fernando Henrique Cardoso, Presidente do BANESTADO, 1999-2000; Secretário da Administração e do Planejamento de Requião e, por enquanto, Ministro da Agricultura no governo Lula. Tal trajetória indica ou uma surpreendente mudança política, ou que todos os diferentes regimes, partidos e governos tiveram algo em comum. Stephanes também deixa um filho como herdeiro político na Assembléia Legislativa do Paraná, o deputado estadual Reinhold Stephanes Júnior.
Na atualidade, o círculo político das famílias paranaenses está configurado desde cima, começando com a família do próprio governador. Integram-no o Governador Roberto, o irmão Maurício (Secretário da Educação), o irmão Eduardo (Superintendente da Autoridade Portuária de Paranaguá e Antonina), a irmã Lúcia (Diretora-Presidente da Provopar), a esposa Maristela (Diretora do Museu Oscar Niemeyer), o sobrinho João Arruda (Secretaria-Geral do PMDB e diretor na COHAPAR), o primo Heitor Wallace de Mello e Silva (SANEPAR), o outro sobrinho, Paiakan de Mello e Silva (TV Educativa), a sobrinha Danielle de Mello e Silva (Secretaria da Administração) e a cunhada Mariane Quarenghi (Museu Oscar Niemeyer).
As relações da família governamental com o alto empresariado do Paraná materializam-se, entre outras redes, com o empresário Rodrigo Rocha Loures, dono da empresa Nutrimental e Presidente da Federação das Empresas do Estado do Paraná (FIEP), uma das maiores lideranças empresariais do estado, e membro de uma tradicional família, com três séculos de poder político na região. Em 2003, Rocha Loures contou com o apoio de Requião na sua eleição para Presidente da FIEP. O filho de Rocha Loures, Rodrigo Rocha Loures, foi chefe de gabinete de Requião em 2003/4 e, eleito deputado federal pelo PMDB em 2006, tem como chefe de gabinete o filho de Roberto Requião, Maurício.
João Arruda, outro sobrinho do Governador, é casado com Paola Malucelli, filha de Joel Malucelli, um dos maiores empresários do Sul do Brasil. O grupo J. Malucelli possui um conglomerado de empresas (construção pesada, corretora de seguros, banco, revenda de equipamentos e geração de energia) com mais de quatro mil funcionários e faturamento superior a um bilhão de reais por ano. Entre os mais de 50 parentes que trabalham no holding, encontra-se Alexandre, casado em 2003 com a neta do empresário César Gomes, dono da Cerâmica Portobello. A cerimônia e a festa, que reuniram 1.200 mil convidados, foram fartamente noticiadas. Joel Malucelli também é proprietário das rádios CBN e Band News em Curitiba.
Virgílio Moreira Filho é outro exemplo de relações pessoais ligando o Governador ao alto empresariado. Atual Secretário da Indústria, Comércio e Assuntos do Mercosul, Moreira Filho é diretor dos grupos Itambé, Fosforeira Brasileira S/A e Bematech. Foi um dos principais financiadores da campanha de Roberto Requião em 2006, tanto pessoalmente como por meio da Cimentos Itambé. Ele foi Vice-Presidente da FIEP e da Federação das Associações Comerciais e Industriais do Paraná (FACIAP), além ter participado de diretorias de outras entidades. Foi eleito Presidente da Associação Comercial do Paraná em 2006, licenciando-se para continuar à frente da Secretaria de Estado da Indústria, Comércio e Assuntos do Mercosul.
Outro nome do círculo pessoal de Roberto Requião é o Deputado Estadual Alexandre Khury, atualmente Primeiro-Secretário da Assembléia Legislativa do Paraná, cargo central no poder interno da instituição, cujo prédio leva o nome do seu avô, o falecido Deputado Estadual Aníbal Khury. Este era conhecido em sua época como Vice-Rei do Paraná, em função de um grande raio de ações não apenas no legislativo, mas também no executivo, no judiciário, nos cartórios, na polícia, na criação de novos municípios e na intermediação de vários negócios no Paraná. Alexandre Khury está noivo de uma das filhas do empresário Luís Mussi –, também Assessor Especial do Governador Requião –, neta do igualmente empresário e Ex-Governador Paulo Pimentel, genro de Mussi. Os pais de Alexandre Khury são Aníbal Khury Filho e a empresária Jandira Maranhão Khury, de tradicional família de juristas e desembargadores no Paraná. A ilustre família foi denunciada por ilegalidade (superfaturamento) na desapropriação da área do espólio Aníbal Khury; na utilização de recursos do Fundo Estadual do Meio Ambiente; e na inconstitucionalidade do projeto de lei estadual de iniciativa do deputado Hermas Brandão, criando o Parque Municipal Público de Lazer em Almirante Tamandaré.
Outro tio de Alexandre Khury, Ricardo Khury, também falecido, foi durante muitos anos diretor de Crédito Imobiliário do Banestado, de modo que toda a família sempre esteve em cargos e posições muito privilegiadas no Paraná.
O futuro genro do Deputado Estadual Alexandre Khury é o empresário Luis Mussi, concessionário de canal de TV, Presidente do Jockey Club do Paraná, Ex-Secretário da Indústria e Comércio e agora assessor especial do Governador Requião. Luis Mussi é genro do ex-Governador pela ARENA e empresário Paulo Pimentel, que, por sua vez, era genro de João Lunardelli, dono das maiores proprietárias de terras e glebas no Norte do Paraná e irmão de Geremia, o “rei do café”. Paulo Pimentel controla redes de TV e jornais no Paraná e, não se elegendo ao Senado nas eleições de 2002, pelo PMDB, assumiu a Presidência da Companhia Estadual de Energia Elétrica (2003-2004). Outro dos netos de Paulo Pimentel é o atual Presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Daniel Pimentel Slaviero, filho do ex-presidente da Associação Comercial do Paraná (2004-2006), Cláudio Gomes Slaviero, natural de Irati e empresário nos ramos agropecuário, de distribuição de automotivos, de reflorestamento e de cimento. A família Gomes é uma das principais acionistas da Cimentos Itambé, cujo controle acionário está nas mãos de famílias paranaenses (62% divididos entre os Slaviero, os Gomes e os Araújo). O Coronel Emílio Batista Gomes foi o primeiro prefeito de Irati, em 1907. Um dos netos dele foi o ex-Governador do Paraná, Emílio Hoffmann Gomes, eleito pela Assembléia Legislativa em 1973 e Governador até 1975. Cláudio Slaviero é proprietário da Cimentos Itambé Slaviero, junto com Virgílio Moreira Filho, atual Secretário de Estado da Indústria, Comércio e Assuntos do Mercosul do Paraná.
Entre os principais conselheiros do Governador Requião, encontra-se Pedro Henrique Xavier, cognominado de “PHX”, advogado, colecionador de carros de luxo, que costuma ir ao trabalho no Palácio Iguaçu, guiando uma de suas duas ferraris vermelhas, ou um BMW Z4, um Jaguar ou um Mercedes Benz. PHZ é o Presidente do Conselho de Administração da SANEPAR, Companhia de Saneamento do Paraná, onde se decidem os grandes gastos e investimentos da Companhia. O Conselho de Administração é o órgão deliberativo responsável por determinar as diretrizes e orientação geral para os negócios e por formular e expressar as políticas da Companhia. O Diretor Presidente da SANEPAR é Stênio Jacob, em cuja biografia, constam ações de improbidade administrativa em Blumenau (SC), onde foi secretário de obras acusado de desviar mais de R$ 2 milhões em recursos públicos, em Ponta Grossa, no Paraná, onde negociou serviços de consultoria. A investigação catarinense deixou cicatrizes e fez até com que Jacob ficasse com todos os seus bens indisponíveis. Hoje, à frente da Sanepar, ele preside uma empresa que irá mais investir mais de R$ 200 milhões em 2004.6, O primo do Governador Requião, Heitor Wallace de Mello e Silva, é Diretor de Investimentos da Companhia. Além de Pedro Henrique, a família Xavier também está representada pelo Secretário Estadual de Saúde, Cláudio Xavier, e outro parente, Maurício Xavier, empreiteiro de obras públicas cujo cunhado, Cornelius Unruh, é coordenador do Setor de Engenharia da Secretaria.
Famílias, riqueza e poder
Casos significativos das relações entre famílias, poder e grandes patrimônios remontam há mais de trezentos anos. Em entrevista à Revista Caros Amigos, o empresário paranaense Cecílio do Rego Almeida declarou possuir um patrimônio estimado em cinco bilhões de dólares,7 tendo já sido considerado, pela revista Forbes, como um dos 100 homens mais ricos do planeta. Os negócios empresariais passam pelas empresas de engenharia, avaliadas em 3,2 bilhões de dólares, e compreendem o maior latifúndio do Brasil e do mundo, na Amazônia, sobre o qual pesam denúncias de grilagem. Cecílio do Rego Almeida foi casado com Rosita Beltrão, membro de família atuante na política paranaense no governo Lerner. Alexandre Fontana Beltrão ocupou diversos cargos no estado Paraná. Durante 26 anos, esteve na International Coffe Organization, foi Presidente do Instituto de Tecnologia do Paraná (TECPAR) e Secretário de Estado de Assuntos Estratégicos e de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, respondendo a vários processos no Tribunal de Contas do Paraná. Em um deles, foi absolvido pelo Presidente do TC, Henrique Naigeboren, indicado para o Tribunal por Jaime Lerner, seu cunhado.
As conexões genealógicas entre Cecílio do Rego Almeida e Alexandre Fontana Beltrão são, provavelmente, o exemplo mais expressivo da conexão entre grandes fortunas, poder estatal e grandes famílias ao longo de toda a história econômica do Paraná. Dois municípios no interior do Paraná levam os nomes da família Beltrão (Engenheiro Beltrão, em homenagem a Alexandre Gutierrez Beltrão, e Francisco Beltrão). Cargos centrais no governo estadual, na Prefeitura de Curitiba e no poder judiciário sempre estiveram associados às ambições e os interesses desses grupos, ligados a grandes investimentos imobiliários e a grandes empresas. Alexandre Beltrão tem, como antepassados, figuras centrais na magistratura, nas obras públicas e na colonização do Paraná desde o final do século XIX. O Barão do Serro Azul, Ildefonso Pereira Correia, o maior ervateiro do Paraná em meados do século XIX, era seu bisavô. A família Beltrão multiplicou-se por meio de casamentos com descendentes dos Correia e Guimarães, as principais famílias na exportação de erva-mate. Desde o século XVIII, a parentela de Manoel Antonio Guimarães, o Visconde de Nácar, importante ervateiro e proprietário escravista, sempre reproduziu as relações entre grandes empreendimentos econômicos e posições no aparelho de Estado e na magistratura. Marcelo Beltrão Almeida, filho de Cecílio do Rego Almeida, declarou um patrimônio de R$ 83 milhões à Justiça Eleitoral em 2006. No início de 2007, era o Secretário de Obras do Governo Requião, mas licenciou-se para assumiu a vaga do Deputado Federal de Reinhold Stephanes…
Os esquemas de reprodução implicam ascensões controladas nas esferas do poder. Entre os vereadores de Curitiba que disputaram as eleições para a Assembléia Legislativa em 2006, apenas três conseguiram se eleger: Stephanes Junior, Fábio Camargo e Ney Leprevost, justamente aqueles que tinham curricula vitae exemplares.
De Stephanes Junior, não é necessário apresentar a genealogia. Fábio Camargo é filho e neto de desembargadores do Tribunal de Justiça do Paraná, membro da tradicional família política Camargo, atuante na região há mais de dois séculos, parente do atual Deputado Federal Affonso Alves Camargo Neto, ex-Senador, Ex-Ministro e neto do Presidente do Paraná, por duas vezes na República Velha, Affonso Alves Camargo. Antonio de Sá Camargo foi o Visconde de Guarapuava, um dos símbolos da política paranaense no Império, parente dos outros Camargo ativos no poder contemporâneo. Fábio Camargo é genro do atual Secretário da Casa Civil e Ex-Presidente do Tribunal de Contas do Paraná, Rafael Iatauro. A esposa de Fábio Camargo, Gracia Maria de Medeiros Iatauro, já ocupou a Administração da Regional Matriz, uma das principais subdivisões da estrutura da Prefeitura de Curitiba. A família está representada no Tribunal de Contas por Gracia Maria de Medeiros Iatauro (diretora), Giovana Maria Iatauro (consultora técnica), Rafaela Iatauro Bueno (assessora jurídica) e Tatianna Cruz Bove (inspetoria de controle). Como o sobrenome indica, todas pertencem à família do expresidente, Rafael Iatauro, atual Chefe da Casa Civil do Governo. Tatianna Bove (inspetora de controle) não tem o sobrenome, mas é a atual Sra. Rafael Iatauro. Este não é o único exemplo de nepotismo no TC.
Ney Leprevost, ex-Secretário Estadual de Esportes e Turismo durante o Governo Lerner, é neto de Ney Leprevost –, Prefeito de Curitiba em 1948-49 –, e irmão de João Guilherme e de Alexandre Leprevost, sócios da CWB Brasil, empresa de entretenimento e organizadora de eventos musicais e culturais, alguns financiados pela Prefeitura Municipal de Curitiba e pelo Instituto Pró-Cidadania de Curitiba, dirigido pela primeira dama do município, Fernanda Richa. As conexões entre os poderosos são curiosas, atravessam conjunturas e o jogo situação-oposição. O deputado Ney Leprevost declarou seu orgulho pelo fato do seu grande amigo Alexandre Khury ter sido eleito 1º Secretário da Assembléia Legislativa. Khury começou sua vida pública como estagiário da Secretaria Estadual de Esporte e Turismo quando Leprevost, fiel aliado político de seu avô, era o responsável pela pasta.
Patriarcas e oligarcas têm outros descendentes na atual legislatura. Fernando Ribas Carli Filho é filho do prefeito de Guarapuava, Fernando Ribas Carli, e bisneto do falecido senador Flávio Guimarães. Plauto Miró Guimarães, tio de Fernando Ribas Carli Filho, é também neto do Senador Flávio Guimarães, todos descendentes de Manoel Antonio Guimarães, o Visconde de Nácar.
Riqueza e representação parlamentar
O Paraná é o único estado da federação com dois irmãos senadores, Álvaro Dias e Osmar Dias. A carreira política de Osmar Dias esteve intimamente ligada à carreira política do irmão mais velho, Álvaro Dias.
A análise entre poder, grandes interesses e parentesco fica explícita quando pesquisamos algumas das biografias dos atuais deputados federais. Dos 30 eleitos, 15 apresentaram patrimônios milionários na Justiça Eleitoral, e a maioria possui algum tipo de vínculo com famílias históricas da classe dominante tradicional. Os que não apresentam antigas conexões com poderes tradicionais geralmente são representantes de novas fortunas, em novas atividades econômicas. Três deputados federais eleitos pelo Paraná estão na lista dos dez maiores gastadores do País na campanha eleitoral de 2006. O campeão entre os 513 parlamentares é o paranaense Alfredo Kaefer (PSDB), que declarou, ao Tribunal Superior Eleitoral, ter gasto R$ 2,94 milhões. O segundo colocado também é paranaense, o peemedebista Rocha Loures, com despesas totais de R$ 2,92 milhões. Ratinho Júnior, do PPS, ficou em quarto lugar, com R$ 2,6 milhões. O deputado federal reeleito Odilio Balbinotti (PMDB-PR) é o segundo eleito mais rico, com patrimônio declarado de R$ 123,8 milhões, tendo gasto R$ 1,1 milhão na própria campanha. Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) autofinanciou-se com o valor declarado de R$ 1,13 milhão.
Destacam-se alguns casos na representação empresarial paranaense.
Abelardo Luiz Lupion Mello (PFL) é neto do ex-Governador Moysés Lupion, a maior fortuna do Paraná no início da década de 1940, grande proprietário e pecuarista. Um dos principais articuladores da bancada ruralista no Congresso Federal, Lupion foi apontado com tendo sido beneficiado pelas empresas Monsanto (que teriam vendido uma fazenda ao Deputado em condições mais vantajosas que as de mercado) e Nortox, fabricantes de agrotóxicos.
Affonso Alves Camargo Neto (PSDB) é neto do ex-presidente do Paraná durante a República Velha Affonso Alves Camargo, grande proprietário e pecuarista.
Airton Roveda (PR), empresário do setor mineral, possui empresas de extração de areia. Roveda é Ex-Prefeito de União da Vitória e suplente do Deputado Federal Cassio Taniguchi (PFL), ex-Prefeito de Curitiba, acusado, pela Folha de São Paulo, de ter um caixa 2 de quase trinta milhões na sua campanha para Prefeito de Curitiba em 2000.
Alceni Guerra (PFL) é ex-Deputado Federal e ex-Ministro da Saúde, no Governo de Fernando Collor de Mello. Sua família possui a empresa Sementes Guerra. Filho de Prosdócimo Guerra. Lançou-se candidato a vereador no município de Soledade fazendo 198 votos de um total de 200 eleitores somente na urna de Povoado Novo. Cumpriu seu mandato político com muito brio e fez escola, pois teve, mais tarde, o prazer de, ainda vivo, assistir três de seus filhos ocupando cargos públicos: Waldir Francisco, vereador, secretário de Estado e deputado federal; Ivanio José, deputado federal e Alceni Ângelo, deputado federal (duas vezes), Ministro da Saúde, prefeito municipal e secretário de Estado.
Dilceu Sperafico (PP), pecuarista, grande empresário do setor alimentar, dono de frigoríficos e sócio da Rádio Difusora, declarou bens acima de dez milhões para a justiça eleitoral em 2006. O ministério público do Paraná, em Toledo, recebeu denúncia, com pedido de providências, contra acordo homologado em março de 2005 entre o Banco do Brasil e o Grupo Sperafico. Na denúncia, a empresária Hosana Maria Conti, ex-mulher de um dos sócios do grupo, afirmava que uma dívida de R$ 780 milhões com o banco fora saldada por apenas R$ 29 milhões. O advogado Sérgio Canan, que representou o Grupo Sperafico no acordo, disse que não houvera irregularidades na homologação. O Grupo Sperafico, com atuação em agronegócios no Paraná, em Mato Grosso do Sul e em Mato Grosso, controla agroindústrias e fazendas de soja e milho nos três estados e é dirigido pelos irmãos Levino, Itacir e Dilso Sperafico. Este último foi deputado federal pelo PSDB do Mato Grosso na legislatura 1995-99. Outro irmão, o Deputado Federal Dilceu Sperafico (PP-PR), aparece como um dos executados em 13 ações que o BB moveu contra o grupo. Nas ações, ele consta ou como avalista, ou com bens hipotecados.
Eduardo Sciarra (PFL) é grande empresário do setor da construção. Foi Presidente da Associação Comercial e Industrial de Cascavel e Diretor do Sindicato da Indústria da Construção Civil, Sinduscon Oeste, e da Fundação Paranaense para o Desenvolvimento Tecnológico da Indústria da Construção. Atuou também como conselheiro da Agência de Fomento do Paraná, do Centro de Integração de Tecnologia do Paraná e da Estrada de Ferro Paraná Oeste S.A. Em 1998, assumiu a Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo do Paraná, durante o primeiro governo Lerner, tendo sido acusado pelo governador Requião de irregularidades na gestão da Paraná Ambiental durante o governo Jaime Lerner.
Fernando Giacobo (PR) é grande empresário, mas teve, em 2004, parte de seus bens imóveis bloqueados pela Justiça. É também um dos 36 deputados que respondem a algum tipo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF).
Gustavo Fruet é irmão de Eleanora Fruet, Secretária Municipal de Educação em Curitiba. Ambos são filhos do ex-Prefeito de Curitiba Maurício Fruet.
Ricardo José Magalhães Barros (PP) é empresário e irmão do Prefeito de Maringá, Sílvio Barros, ambos filhos do ex-prefeito de Maringá, Sílvio Barros. Ricardo Barros é casado com a Deputada Estadual Cida Borghetti. Ele é exemplo das oligarquias familiares na região de Maringá.
Para fechar a lista, temos Rodrigo Santos da Rocha Loures (PMDB), grande empresário, filho do Presidente da FIEP Rodrigo Costa da Rocha Loures, uma das maiores lideranças empresariais do Paraná e Diretor da Nutrimental, indústria de alimentos. Uma das principais receitas da Nutrimental provinha da merenda pública, justamente na época em que Gilda Poli da Rocha Loures era Secretária da Educação do Estado, fato que motivou um processo no Tribunal de Contas da União. Vale a pena reproduzir o exótico texto de Leon Mariotti no lançamento da candidatura de Rocha Loures a deputado federal:   Salão do velho Hotel Caravelle apinhado de funcionários públicos, próceres do PMDB e algumas dezenas de figuras do PSDB adesista. Requião, com certo ar triunfalista, preside o ambiente. Vai falar o jovem candidato a deputado federal Rodrigo Rocha Loures, o “Rodriguinho Pagador”, filho do presidente da FIEP, herdeiro da Nutrimental e dono da mais bem-fornida e comentada campanha da temporada… “Quero servir ao Paraná”! Quero servir ao governador Requião! Sou bisneto, neto e filho de uma dinastia que serve ao Paraná! Do alto da pirâmide milionária da FIEP nos contemplam 500 anos de fome, subdesenvolvimento e analfabetismo político.
Justamente, a família Rocha Loures está presente no poder político e econômico da região desde a época da fundação da cidade, há mais de trezentos anos.
Não apenas no legislativo, mas também em outras esferas de poder,a projeção política de tradicionais famílias é observada. No início de 2007, os dois Procuradores Gerais do Paraná pertenciam a famílias históricas no poder paranaense. O Procurador Geral da Justiça era Milton Riquelme de Macedo, da influente família Macedo. O seu primo Rafael Greca de Macedo, ex-Prefeito de Curitiba, ex-ministro, não reeleito para a Assembléia Legislativa do Paraná, foi nomeado para a cobiçada Companhia de Habitação do Paraná, pois garante uma das mais altas remunerações no aparelho de Estado. A família Macedo tem grande poder e influência no Tribunal de Justiça. Nos últimos anos, vários Macedo foram influentes desembargadores no TJ.
Na Procuradoria Geral Estado, estava Sérgio Botto de Lacerda, sobrinho do ex-Ministro da Educação no período da Ditadura Militar e ex-reitor da UFPR, Flávio Suplicy de Lacerda, também parente de Ney Braga.
Outros cargos apontam tradicionais conexões entre estruturas de parentesco e poder político. O atual Secretário de Fazenda do Paraná, Eron Arzua, é sobrinho de Ivo Arzua, Ministro de Agricultura no auge do regime militar, um dos signatários do AI-5.
Conclusão
Apesar de expressivos, os exemplos acima não esgotam as redes sociais e de parentesco que se tramam em torno do poder. Eles foram selecionados de um conjunto mais amplo, que expressa continuidade dos donos do poder, os quais possuem, em alguns casos, ramificações de mais de trezentos anos. Eles ilustram o princípio da reprodução e, por vezes, da conciliação, que permite a manutenção de carreiras políticas e estruturas de poder, independentemente dos regimes políticos, das diferentes composições partidárias e políticas e dos ciclos econômicos. As múltiplas conexões entre poder econômico, poder político e estruturas de parentesco estão sempre sendo renovadas e estão em constante movimento. O controle do poder executivo estadual, com a família Requião de Mello e Silva, e do poder executivo municipal de Curitiba, com a família Richa, revela dimensões atuais de um processo histórico marcado pelo nepotismo, pelo tráfico de influências, pelo poder econômico e pela impunidade.

Referências
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fonte:http://jornalismofm.com.br/
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