Disciplina - Sociologia

Sociologia

28/07/2009

Resistindo em busca de justiça

Júlio Delmanto

São Paulo (SP)


Nesta sexta-feira, dia 24 de julho, será lançado no Rio de Janeiro o livro “Auto de Resistência: Relatos de familiares de vítimas de violência armada”. Composto por 19 histórias de vítimas da violência policial, o livro é um dos resultados do Projeto de Apoio a Familiares de vítimas de Chacinas, desenvolvido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes (CESeC) e pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES). Segundo a apresentação, escrita por Bárbara Musumeci Soares, responsável por organizar a publicação juntamente com Tatiana Moura e Carla Afonso, “é um livro feito a muitas e muitas mãos, por uma equipe mista de familiares e de profissionais da palavra e da imagem com a participação ativa de todas as pessoas retratadas. Ele está a serviço da preservação da memória de um doloroso aspecto da nossa vida social, como um retrato vivo de uma realidade que não pode mais cair no esquecimento”.
Bárbara é doutora em Sociologia e também autora dos livros “Mulheres Invisíveis e Prisioneiras: vida” e “Violência atrás das grades” e foi presidente do Conselho de Segurança da Mulher e Subsecretária de Segurança da Mulher do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Ela afirma que “pela primeira vez um livro conta as histórias que conhecemos, através de outros livros e de jornais, na perspectiva e nas palavras de quem viveu de perto a violência”. O texto é dividido em duas partes: a primeira apresenta cada caso individualmente – “o último contato com a vítima, o recebimento da notícia, o dia seguinte etc”, retratando as vidas que se transformaram em estatística policial. A segunda parte descreve “as dificuldades e os obstáculos de quem tenta se fazer ouvir pelas autoridades”, as conquistas, a militância e o convívio com outros familiares de vítimas de violência.
Todo o percurso do projeto, que envolveu encontros mensais de apoio psicosocial, dois cursos de Promotoras Legais Populares, a criação de uma rede de atendimento psicanalítico e de um plantão de orientação jurídica, foi documentado em vídeo e poderá ser conferido em documentário a ser lançado em outubro deste ano. Segundo Bárbara, todos os relatos do livro referem-se a chacinas e execuções perpetradas por policiais, com exceção a um, em que o autor foi um juiz. Em nenhum dos casos as vítimas estavam trocando tiros com seus assassinos fardados. “Essas mortes são a expressão de uma tragédia que se tornou cotidiana para uma parte da população brasileira, assim como de outros paises do mundo”, afirma a autora. “As narrativas do livro têm uma dimensão global, dado que tratam de contextos de violência armada e de impunidade”.
A luta desse grupo de familiares agora é pelo reconhecimento da responsabilidade do Estado nas mortes provocadas por policiais. Para a socióloga, “mais do que uma criminalização da pobreza, existe ainda uma percepção de que os habitantes das áreas mais pobres das cidades não são sujeitos de direitos. Não têm voz no espaço público e, portanto, não têm força para combater a impunidade que alimenta a fábrica de mortes. A coragem dessas mulheres e de alguns homens que, junto com elas, vêm lutando há décadas por justiça e reparação é um ingrediente fundamental na mudança desse cenário”. Mesmo acreditando que ainda estamos longe da solução do problema, Bárbara afirma que os esforços desses lutadores resultou ao menos em uma grande conquista: “suas reivindicações tiveram que ser incorporadas à agenda pública. Não é pouca coisa.”
O lançamento irá ocorrer na Livraria Museu da República, que fica na Rua do Catete, 153,a partir das 18:30. O livro é publicado pela Editora 7 Letras, e o projeto contou com o apoio também da Fundação Ford.
Trecho do Livro - Auto de Resistência: Relatos de familiares de vítimas de violência armada

Depoimento de Marilene, uma da Mães de Acari

Nós éramos, como se diz assim, uma coisa diferente. Era a primeira vez que mães de comunidades carentes se levantavam para ir atrás de justiça. E aí começamos a ser chamadas de Mães de Acari, já que a maioria morava dentro da comunidade. Mais tarde, vim a saber que existia um grupo, na Argentina, chamado Mães da Praça de Maio. Por volta de 1990 era a época em que mais havia chacinas e matanças de jovens no Rio. Eram casos isolados, mas eram chacinas. As mães começaram a se juntar e nosso objetivo sempre foi encontrar nossos filhos. Fizemos um trabalho muito grande com a imprensa internacional. Aí veio a Anistia Internacional e abraçou a nossa causa, nos ajudou a pressionar o governo do Brasil e, consequentemente, o governo do Rio. Por conta da nossa denúncia, começamos a ser convidadas para fazer palestras. Então passamos a ser conhecidas. (...) Uma coisa veio acontecendo após a outra e as necessidades foram surgindo. (...) Em 1994, eu e a Vera fomos para a França participar de um grande grupo, representando o Brasil. Teria mães de vários países. Fomos a convite delas. Lá foi escrita uma carta, um manifesto, relatando cada caso e pedindo assinaturas. Cada pessoa levou a carta para seu país. E depois elas foram encaminhadas à ONU, com as assinaturas. Essa primeira denúncia foi feita em 1994. Quer dizer, desde 1994 estamos denunciando para a ONU o caso Acari. (...) A partir do caso Acari, veio o caso de Vigário Geral, veio o da Candelária, e aí a gente foi só se agrupando, foi só se juntando. O objetivo maior era buscar os filhos.(...) Vale a pena quando alguém chega e chama você de guerreira e dá parabéns pela sua força, pela sua coragem, coragem que você nem mesmo percebe. Você vai, você vai indo... Quando vê, está longe. Eu estou muito longe daquela Marilene que estava lá, em 1990, fazendo comida para os filhos e para o marido. Eu estou muito à frente de mim mesma. E não tem como voltar atrás.

fonte: www.brasildefato.com.br
Recomendar esta notícia via e-mail:

Campos com (*) são obrigatórios.