Sociologia
07/06/2010
O futebol e a identidade nacional
Por Osvaldo BertolinoCom o futebol-arte, o Brasil passou a ter aquela identidade nacional descrita por Eric Hobsbawn, que faz com que uma comunidade imaginária pareça “mais real na forma de um time de onze pessoas com nome”. “O indivíduo, mesmo aquele que apenas torce, torna-se o próprio símbolo de sua nação”, escreveu.
Era uma vez o Brasil, terra de cobras e feras. O mais brilhante dos técnicos brasileiros, João Saldanha, dizia, quando montou o “esquadrão de ouro” de 1970, que cobra estava barato demais. Para ele, a maior fera é o homem. E, para ganhar a Copa, era preciso ter homens — feras em contato com o povo. “Havia aquele negócio de canarinho, ‘os onze canarinhos’, mas eu achava meio fraco para os objetivos”, disse. Saldanha criou as feras para infundir um discurso otimista e transmitir ao time a alma do povo brasileiro. O futebol teria de ser jogado com as raízes brasileiras, e não como uma cópia europeia.
Ele jogou por terra o mito, já forte à época, do fim da história para o futebol-arte. O escritor Nelson Rodrigues, fã confesso de Saldanha, adaptou para o esporte a sua máxima jornalística dos “idiotas da objetividade” — hoje transmutada para a idiotice da “coerência”. Para ele, no futebol os “idiotas da objetividade” defendiam a “velocidade burra”. Já Saldanha provava que o futebol brasileiro autêntico, de toques, dribles e passes cadenciados, ainda era o melhor.
O técnico escolheu os jogadores um a um, sem interferência de natureza política ou comercial. Com isso, Saldanha legou a oportunidade para um profícuo debate sobre a natureza do futebol brasileiro. Um debate permeado por elementos históricos, filosóficos e sociais — sempre, obviamente, com generosas pitadas de arquibancadas.
Quando se fala em raízes brasileiras, está se dizendo que a história do futebol guarda simetria com a formação do povo brasileiro. Não à toa, diversos intelectuais apostaram no fracasso do futebol no Brasil porque era um esporte trazido por ingleses grã-finos na belle époque. Era, como diz o escritor uruguaio Eduardo Galeano, “um produto de exportação tão tipicamente britânico como os tecidos de Manchester, as estradas de ferro, os empresários do banco Barings ou a doutrina do livre comércio”.
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