Disciplina - Sociologia

Sociologia

08/07/2010

Menos hipocrisia

Por CynImagem do presidente do TSEara Menezes, Carta Capital
Para combater a campanha antecipada, antecipar a campanha. É o que defende o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski. Segundo o ministro, que assumiu o cargo em abril, o ideal é que a campanha começasse no início do ano eleitoral, como acontece nos Estados Unidos, e não em julho. “Seria legítimo, um prazo razoável para que todas as pessoas que tenham intenção de concorrer a um cargo público se manifestem, digam o que pensam, e para que o eleitor possa conhecê-los melhor.”
Em entrevista a CartaCapital, o carioca Lewandowski, indicado pelo presidente Lula para o Supremo Tribunal Federal em 2006, discordou de seu colega de tribunal Gilmar Mendes sobre a possibilidade de desequilíbrio nas decisões do TSE. “Não existe essa hipótese.” Para ele, a recém-aprovada Lei da Ficha Limpa é um sinal de conscientização do eleitorado.
CartaCapital: Tem havido avanços no processo eleitoral nos últimos anos?
Ricardo Lewandowski: Sim. A Lei da Ficha Limpa, por exemplo, foi um avanço bastante consistente que permite ao eleitor selecionar os candidatos com os melhores antecedentes, com a ajuda da Justiça Eleitoral.
CC: Mas há muitas dúvidas em relação a quem será atingido pela lei. Que tipo de político será impedido de se candidatar exatamente?
RL: Aqueles que têm maus antecedentes. É claro que toda lei, não só a da Ficha Limpa, admite várias interpretações. Vamos ter de interpretá-la em cada caso concreto. Mas o importante é a disposição da Justiça Eleitoral de interpretar a lei de acordo com o espírito com a qual ela foi aprovada pelo Congresso. Vamos tentar buscar o espírito original do legislador.
CC: Os governadores cassados vão poder concorrer ou não?
RL: Esta é uma questão que só vamos poder responder no caso concreto. O que foi dito até o presente momento é o seguinte: a lei se aplica a estas eleições, ou seja, o artigo 16 da Constituição que agasalha o princípio da anualidade fica afastado, e também entendemos que se aplica a situações pretéritas (condenações no passado). Essas são as duas únicas questões que resolvemos. As demais serão resolvidas na análise de cada caso concreto. Os casos decididos concretamente serão paradigmas para a solução dos demais.
CC: Em relação aos que renunciaram interrompendo o processo, parece que há unanimidade de que não devem concorrer.
RL: Neste ponto a lei é bastante clara. Existe uma dúvida no que diz respeito à ampliação do prazo de três para oito anos de inelegibilidade. Eu mesmo ressalvei meu ponto de vista, quando respondi à consulta, entendendo que, em princípio, aqueles que tinham sido condenados pela Justiça Eleitoral à inelegibilidade por três anos, com trânsito em julgado (decisão definitiva), tinham uma situação consolidada e não seria possível haver uma ampliação, a lei não poderia retroagir. Mas essa é uma opinião pessoal minha. Este é um caso específico sobre o qual existe uma certa dúvida, a Justiça vai se pronunciar. No mais, me parece que a Lei da Ficha Limpa é relativamente clara. Quem foi condenado por um colegiado, ainda que a condenação não tenha transitado em julgado, não tem condição de obter registro de candidatura.
CC: O senhor acha que, com a Lei da Fich-a Limpa, os eleitores vão achar que há menos político ladrão?
RL: Os políticos de um modo geral são pessoas idealistas, honestas e trabalhadoras. Apenas uma minoria é que realmente não tem compromisso com o bem comum. Essas, a meu ver, os próprios eleitores, a sociedade, têm de tirar do cenário político.
CC: Os políticos vão se preocupar em não sujar a ficha?
RL: Os próprios partidos políticos, ao selecionar os candidatos, vão procurar fazer isso de conformidade com os antecedentes. A seleção será feita, em primeiro lugar, pelos partidos e, passado esse crivo, pelos eleitores. A Lei da Ficha Limpa representou uma conscientização do eleitorado, pois nasceu de uma lei de iniciativa popular, com 1,6 milhão de assinaturas. Houve uma mobilização social no sentido da moralização da vida política.
CC: A lei não abre espaço para injustiças e manipulações?
RL: Eventuais injustiças poderão ser revistas. A Lei da Ficha Limpa estabelece que a condenação tem de ser levada a efeito por um colegiado, sempre. Por um conjunto de juízes, não por um juiz singular. Além disso, cabem recursos.
CC: Há a possibilidade de o STF decidir que a lei não vale para esta eleição?
RL: Em tese, sim. Toda questão constitucional pode ser examinada pelo STF. Mas o número de legitimados para ingressar (contra a aplicação) no Supremo é relativamente pequeno: tem de ser um partido político, a OAB, a Associação dos Magistrados Brasileiros ou o Ministério Públic-o. Outra possibilidade é que alguém que tenha seu recurso indeferido aporte com recurso extraordinário no STF. Mas esse é um processo um pouco mais longo.
CC: O senhor é a favor do voto obrigatório?
RL: O voto obrigatório corresponde a um estágio necessário neste momento histórico. Ainda somos uma democracia em fase de amadurecimento e é importante que o eleitor compareça maciçamente às urnas para dar legitimidade aos eleitos. É possível que, no futuro, não precisemos mais do voto obrigatório. Não acho absolutamente necessário.
CC: Há mais abusos nesta pré-campanha do que nas anteriores?
RL: Eu diria que esta pré-campanha está mais em evidência nos jornais. Sempre houve a pré-campanha. E até acho que o eleitor tem o direito de conhecer seus candidatos de uma maneira mais precoce, mais antecipada, antes dos três meses. Isso não é necessariamente negativo. Acontece que, no Brasil, isso ainda não está regulamentado, existe um vácuo legislativo e a campanha só começa oficialmente em 5 de julho. Não vejo nenhum inconveniente que isso fosse liberado.
CC: A partir de que mês, por exemplo?
RL: No início do ano das eleições. Seria legítimo, um prazo razoável para que todas as pessoas que tenham intenção de concorrer a um cargo público se manifestem, venham a público, digam o que pensam, e para que o eleitor pudesse conhecê-los melhor e escolher realmente aquele que estiver mais afinado com o bem comum.
CC: O que mais se reclama da campanha antecipada é de que o detentor de cargo público favoreceria seu candidato. Ampliando a campanha não se ampliaria o suposto favorecimento?
RL: Isso é um perigo. Ao mesmo tempo que se pode liberar a pré-campanha é preciso estabelecer normas muito rigorosas para que a máquina pública não seja empregada em favor deste ou daquele candidato. Temos uma legislação bastante rigorosa, mas podemos aperfeiçoar, estabelecer que é possível a pré-campanha, mas que não se utilize nada da máquina pública.
CC: O senhor vê favorecimento de candidatos nesta eleição?
RL: Estou julgando caso a caso aquilo que é apreciado pelo TSE e o tribunal tem dado resposta nos casos concretos que lhe foram submetidos.
CC: O uso da máquina e o abuso do poder econômico ainda são os maiores problemas de eleições no Brasil?
RL: Sem dúvida. A Justiça Eleitoral tem coibido com muito rigor, tem redundado em muitas cassações de diplomas e mandatos, mas é preciso mudar um pouco a cultura política brasileira no sentido de haver uma fiscalização, uma conscientização maior do eleitor, do cidadão.
CC: O senhor acha que as cassações de mandato se tornarão praxe?
RL: Espero que diminuam na medida em que haja maior consciência do eleitor e dos políticos. A cassação de mandatos é uma anomalia do sistema democrático.
CC: Em seu discurso de posse, o senhor falou que o TSE não será protagonista desta eleição. Mas não é positivo para o eleitor essa imagem do grande juiz pairando sobre a eleição, protegendo-a?
RL: Faço uma comparação com o futebol. O jogo mais bonito é aquele em que o juiz menos intervém, em que o jogo fica por conta dos jogadores. No processo eleitoral é assim também. As eleições ficam mais bonitas quanto menor for a intervenção da Justiça Eleitoral. Mas o TSE está atento para marcar os pênaltis e os impedimentos.
CC: Em fevereiro, o então presidente do STF, Gilmar Mendes, falou da possibilidade de haver um duplo standard do TSE nesta eleição: ser severo com prefeito e governador e leniente com o presidente da República. Isto pode acontecer?
RL: Absolutamente, não. É só pegar nossas decisões, sejam do TSE, dos tribunais regionais ou mesmo de juízes locais. Há muita equanimidade, muita isonomia nas decisões. A Justiça Eleitoral é muito interessante porque é uma justiça mista. O TSE, por exemplo, é integrado por três ministros do STF, dois do STJ e dois selecionados entre advogados de notável saber jurídico e de reputação ilibada. Portanto, é um tribunal bastante representativo do pensamento jurídico nacional. Além do mais, todos eles exercem seus cargos por mandatos de dois anos renováveis por mais dois, para evitar justamente a partidarização. Não existe essa hipótese de parcialidade.
CC: Uma curiosidade: antes de fazer Direito, o senhor se formou em Ciências Sociais na Escola de Sociologia e Política da USP, berço de esquerdistas. Era um jovem comunista?
RL: Era um jovem idealista. Era uma época interessante, um momento em que o mundo estava dividido, vivíamos uma Guerra Fria, a hegemonia de dois grandes países. Os Estados Unidos de um lado e a União Soviética de outro. Era uma época de grande efervescência intelectual e, evidentemente, o jovem queria tomar parte desse processo, um momento que os estudantes estavam nas ruas, 1968 em Paris, no Brasil, todos queriam participar, refletir.

Esta notícia foi publicada em 06/07/2010 no sítio cartacapital.com.br. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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