Sociologia
27/09/2010
400 maneiras de limitar a publicidade
Por Cinthia SchefferDesde a semana passada, toda a publicidade de automóveis é obrigada por lei a trazer uma mensagem educativa de trânsito – algo semelhante ao que já acontece com anúncios de cigarro e bebidas alcoólicas. Em breve, a legislação também pode se estender aos comerciais de alimentos com alto teor de açúcar, sódio ou gordura saturada e trans.
Inserida na Lei de Trânsito, a nova determinação é uma das centenas de restrições legais já em vigor ou ainda em estudo relacionadas ao setor. Um levantamento publicado nesta semana pela agência de notícias da Câmara dos Deputados revela que mais de 200 projetos circulam na Casa envolvendo algum tipo de restrição à publicidade – desde limitações ao horário de exibição do comerciais até a proibição completa para determinados produtos.
Somando-se todos os projetos que envolvem outras questões relacionadas à radiodifusão, o diretor geral da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Luis Roberto Antonik, diz que o número pode dobrar, chegando a quase 400 projetos, de acordo com o levantamento da entidade, da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e da Associação Nacional de Jornais (ANJ). Eles dizem respeito a segmentos específicos – como alimentos, medicamentos e agrotóxicos, por exemplo – mas também a questões de formato, como a utilização de fonte do mesmo tamanho do anúncio nas informações legais (normalmente escritas em letras miúdas no rodapé) ou a informação de que a imagem usada na campanha foi tratada com Photoshop.
Essa avalanche de leis sobre um setor provoca discussões legítimas, na avaliação de Antonik. Segundo ele, porém, a maior parte dos projetos se sobrepõe a legislações vigentes, especialmente o Cógido de Defesa do Consumidor (CDC) e o código criado pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). “O aperfeiçoamento instituicional é normal, legítimo e acontece em vários setores. O que me preocupa nesse processo é o aparecimento de ideias excessivamente restritivas”, diz o diretor. “É preciso lembrar que qualquer coisa que você restringe na liberdade de expressão comercial, está restringindo também o rádio e a televisão aberta do país, que se remuneram pela publicidade.”
Há pouco mais de um mês, a Abert se uniu a ANJ, Aner e Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap) para criar o Instituto Palavra Aberta. A organização nasceu com a missão de desenvolver estudos para comprovar os impactos do que as entidades chamam de “cerceamento à liberdade de expressão comercial nos direitos dos consumidores à informação”. A ideia também é subsidiar os deputados com informações que mostrem esse impacto econômico.
Um dos principais debates nesse sentido se dá em torno de um projeto de lei do deputado paranaense Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) que prevê a proibição de qualquer publicidade dirigida a crianças com menos de 12 anos. O Insituto Alana, principal ONG defensora da ideia, baseia seus argumentos em pesquisas que mostram que, pelo menos até os 8 anos, as crianças não têm a mínima capacidade de “filtrar” argumentos publicitários. Depois, até os 12 anos, elas sabem identificar a publicidade, mas ainda não entendem a questão mercadológica envolvida, tampouco seu caráter persuasivo.
Autorregulamentação
Há cerca de um ano, 24 empresas e duas entidades de classe assinaram um Compromisso Público de Publicidade Responsável que tinha como tema central justamente a publicidade infantil de alimentos e bebidas não alcoólicas. Na opinião de boa parte dos publicitários e anunciantes, documentos como esse são capazes de coibir abusos, apoiados nas normas impostas pelo Conar. O Conselho tem mais de 30 anos e é tido pelo mercado como um exemplo de sucesso na prática da autorregulamentação. Empresas e consumidores que se sentem lesados de alguma forma podem, através do Conar, fazer uma reclamação e até pedir a suspensão do comercial. De fevereiro até agora, o Conselho avaliou 229 casos, que resultaram na suspensão de 45 comerciais e alteração de outros 121. “Nosso modelo é um sucesso e realmente tira do ar o que é necessário”, defende Antonik.
O publicitário Ciro Cesar Zadra, presidente da Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap) no Paraná e da agência curitibana CCZ, também considera que a autorregulamentação tem se mostrado suficiente para coibir abusos ao longo dos últimos anos, graças a um senso crítico bastante apurado. Mas acrescenta que agências e publicitários deixaram de encarar esses projetos de lei como uma ameaça, embora reconheça alguns “absurdos” entre as propostas. “Entendemos que precisamos promover o debate democrático de maneira mais organizada, aberta e transparente.”
Para Zadra, isso tem sido feito pela Frente Parlamentar de Comunicação, da qual participam mais de 180 deputados e 45 senadores. O grupo, criado em 2008, se propõe a ser espaço de discussão de temas relacionados ao mercado publicitário, apoiado em informações das entidades de classe. “Com a Frente, conseguimos trazer o debate para um fórum apropriado e evitar que projetos absurdos ocupem a pauta”, defende o publicitário.
Esta notícia foi publicada em 24/09/2010 no sítio gazetadopovo.com.br. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.