Disciplina - Sociologia

Sociologia

27/12/2010

Quanto custa a felicidade?

Já houImagem de uma sacola de comprasve pesquisa que afirmasse categoricamente: sim. Divulgado em 2006 por especialistas da Universidade de Not­tingham, no Reino Unido, o estudo constatou que 97% das pessoas que ganharam na loteria se consideravam mais felizes depois do prêmio. Uma leitura mais atenta, no entanto, derruba a tese do dinheiro em si como motivador dessa sensação de bem-estar, provida muito mais pelas consequências da estabilidade financeira. Um exemplo? Passar mais tempo com a família, citado por 44% dos entrevistados.
Sim, nesse caso a grana “comprou” o tempo livre. Teria sido ela a grande responsável pela felicidade. Sim e não. Mais recentemente, há um consenso entre os cientistas de que a renda é fundamental até certo ponto. Até US$ 35 mil por ano (cerca de R$ 63 mil/ano, R$ 5 mil/mês), há uma relação fortíssima com a felicidade. De US$ 35 mil a US$ 75 mil (R$ 135 mil/ano, R$ 11 mil /mês) a correlação existe, mas é baixa. A partir desse grau, não faria nenhuma diferença.
Ou seja, ele influencia até o ponto em que garante o atendimento das necessidades básicas, que vão além da alimentação e moradia. Lazer e segurança, por exemplo, também entram nessa conta. “Em um mundo capitalista, é claro que dinheiro tem importância”, decreta a socióloga e consultora de finanças pessoais Glória Maria Garcia Pereira, autora de A Energia do Dinheiro.
Ema, ema, ema
No ambiente consumista em que vivemos, os desejos são ativados de forma inconsciente. “Nos baseamos no comportamento do vizinho. Está tudo bem, mas se ele troca de carro, começa a disparar em nosso cérebro que precisamos também”, diz Glória.
É neste tipo de desejo que a confusão entre riqueza e felicidade começa. “Dinheiro não traz felicidade nem infelicidade. É uma energia de troca, assim como o amor, o afeto. Se você estiver sozinho em uma ilha deserta e cheio de dinheiro, ele perde o sentido. Quem não sabe fazer trocas, fica infeliz.”
Ado, ado, ado
Olhar para si mesmo e descobrir o que é essencial é o caminho para a vida financeira e emocional equilibradas. Entender como as emoções influenciam nossa relação com o dinheiro é o primeiro passo dessa caminhada (veja box na página 7).
Para o psicólogo e psicoterapeuta Dionisio Banaszewski, o equilíbrio está no respeito aos limites. “A relação entre dinheiro e felicidade está muito mais voltada ao espírito da pessoa e à forma como ela encara a vida. É viver no seu quadrado. Tudo que extrapola causa infelicidade.”
Uma soma
Outra boa pista sobre os motivos desses resultados vem ao cruzá-los com as pesquisas do psicólogo americano Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia. Ele concluiu que a felicidade é a soma de três coisas diferentes: prazer, engajamento e significado.
Prazer é o mais palpável. É aquela conhecida e gostosa sensação de quando comemos algo de que gostamos, dançamos uma música boa, fazemos sexo ou conversamos com um amigo querido. Engajamento, a profundidade do envolvimento com a família, o trabalho, o amor e os hobbies. Significado é a sensação de que nossa vida faz parte de algo maior. Não precisa necessariamente ser ligado à religião, mas ao altruísmo, à criação dos filhos ou à sensação de que sua vida é importante para uma grande causa.
“O dinheiro é tremendamente necessário para dar prazer, pouco poderoso para o engajamento e nada poderoso para entender o significado da vida”, diz o doutor em finanças comportamentais Jurandir Sell de Macedo Junior. O problema começa aí. Dos três caminhos para a satisfação pessoal, o prazer seria, segundo Seligman, o menos importante.
Prazeres
Já para Epicuro, filósofo que viveu na Grécia no século 3 antes de Cristo, a felicidade vem justamente do prazer. Mas não o hedonismo. Ele dividia o prazer em três tipos: naturais e necessários; naturais, mas não necessários; e nem naturais nem necessários.
Alimentar-se, por exemplo, é natural e necessário. Mas comer demais ou coisas requintadas, não. Novamente, o excesso é visto como uma forma de desequlíbrio. A chave para a satisfação, segundo o filósofo, estaria em cultivar os prazeres simples. Além disso, ele defendia que a felicidade é fruto da amizade, liberdade – como uma tradução de autonomia – e de uma vida autoanalisada. Simples, mas difícil na sociedade de consumo.
Já naquela época, Epicuro destacava a propaganda como inimiga da satisfação plena. “É preciso lembrar todos os dias que queremos mesmo é ter amigos e ser livres. Senão a gente dispersa”, afirma o diretor do curso de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Jelson Oliveira.
Outro mantra a ser repetido diariamente: dinheiro é um meio, não um fim. Quem deixa que ele mande, sofre. “Sabe aquele brinquedo cuja caixa traz a inscrição ‘pilhas não incluídas’? A criança ganha e não pode brincar. Dinheiro é um brinquedo sem pilha. Deveria vir escrito ‘felicidade não incluída’”, compara Oliveira.
Feliz por decreto
A Comissão de Cidadania e Justiça do Senado Federal aprovou em novembro a chamada PEC da Felicidade. O texto, de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT/DF), inclui a “busca da felicidade” entre os direitos fundamentais do cidadão como emenda à Constituição. O projeto segue para votação no plenário do Senado, e, se aprovado, vai para a Câmara dos Deputados.
A proposta inclui a busca da felicidade como direito básico da população. Caso seja aprovada, o artigo 6º da Constituição ficaria assim: “são direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.
“A PEC sintetiza todas as expectativas da sociedade, os direitos sociais. Quem tem acesso a todos esses direitos inegavelmente tem condições de ser uma pessoa plenamente feliz”, afirma o presidente da Associação Nacional do Ministério Público Criminal (MPCRIM), Augusto Rossini, um dos apoiadores da proposta.
Quando sugerida, a PEC recebeu diversas críticas. Seus defensores dizem que ela foi mal interpretada e que a proposta não pretende transformar algo subjetivo como a felicidade em lei, mas dar condições a todo cidadão de buscá-la a partir do atendimento de seus direitos básicos. “Mais do que ter previsto na Constituição que tais direitos são deveres de nosso Estado, queremos fazer com que ele assuma a responsabilidade por oferecer condições básicas para que seus cidadãos busquem a felicidade com dignidade, a partir de um ponto onde todos são iguais e têm as mesmas oportunidades para partir rumo a essa busca; a felicidade como norteadora de políticas públicas”, declarou Mauro Motoryn, idealizador do Movimento Mais Feliz.
Além da PEC, o movimento levanta a discussão sobre a adoção de algo paralelo ao PIB, como o FIB (Felicidade Interna Bruta), levando em consideração o bem-estar e a satisfação do cidadão. Essa discussão, apoiada pela Organização das Nações Unidas (ONU), busca parâmetros menos econômicos e frios de medição do grau de desenvolvimento de uma nação. No lugar dos números apresentados pelo Produto Interno Bruto (PIB), um modelo de mensuração que levaria em conta o grau de bem-estar, de satisfação, de felicidade da sua população. Vários países têm estudado a questão (leia ao lado).
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Esta notícia foi publicada no dia 25/12/2010 no sítio gazetadopovo.com.br. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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