Disciplina - Sociologia

Sociologia

17/01/2011

Qualidade habitacional para a periferia

Imagem de um conjunto habitacional.Agência FAPESP - A pesquisa correspondeu à tese de doutorado de Patricia Rodrigues Samora, financiada pela FAPESP e defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.
O trabalho ficou em primeiro lugar no Prêmio Ibero-Americano de Teses de Investigação sobre Moradia Sustentável, concedida pela Universidade Autônoma do México e pelo Instituto Nacional pela Moradia dos Trabalhadores (Infonavit, na sigla em espanhol).
Pela primeira vez um pesquisador brasileiro recebe a distinção. A cerimônia de premiação ocorreu no dia 3 de dezembro de 2010, na Cidade do México. A pesquisadora recebeu US$ 5 mil e uma estátua do escultor mexicano Hersua. A tese será publicada em livro, que será lançado durante o Fórum Mundial de Habitação, que ocorrerá em setembro de 2011 na capital mexicana.
O estudo, intitulado Projeto de habitação em favelas: especificidades e parâmetros de qualidade , propõe um método para a elaboração de diretrizes de projetos habitacionais, a partir requisitos que avaliam a funcionalidade, conforto ambiental, interação urbana e social, entre outros aspectos.
A autora elenca uma série de critérios para a unidade habitacional (casa ou apartamento), o conjunto (prédio) e para a unidade de vizinhança (quadra). Os itens vão de construção de bicicletários, descentralização de áreas de lazer, coletores seletivos de resíduos sólidos, acesso solar e risco de incêndios a banheiros com revestimento no piso e parede itens de segurança.
“Proponho requisitos mínimos que devem ser atendidos pelo projeto e requisitos complementares, que não necessariamente devem ser atendidos, mas se forem, representariam um salto significativo na qualidade da moradia”, disse Patrícia, à Agência FAPESP .
De acordo com a arquiteta, o método não é voltado para a avaliação de projetos, mas para a definição de diretrizes que possam orientar os projetos habitacionais do poder público.
“Quando trabalhei para a prefeitura de São Paulo, notava que alguns escritórios que ganhavam licitações para programas de urbanização não tinham preparo suficiente. Para garantir a qualidade da habitação nos projetos seria preciso que a prefeitura estabelecesse diretrizes e critérios objetivos para isso”, declarou.
Patricia, que atualmente é professora do Centro Universitário Fiam/Faam, está envolvida com o tema desde 1999, quando foi estagiária no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), trabalhando com o mapeamento de riscos em favelas.
Atuou também em pesquisas apoiadas pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) com a finalidade de fornecer subsídios aos técnicos que atuam em projetos de urbanização de favelas da prefeitura de São Paulo.
Em 2001, quando se formou, foi convidada pela prefeitura para trabalhar no estabelecimento de diretrizes do Programa Bairro Legal. De acordo com ela, trata-se de uma iniciativa avançada em relação a outros programas de urbanização, já que desenvolve projetos específicos para as necessidades de cada assentamento em vez de estabelecer um esquema padronizado.
“No meu trabalho na prefeitura, percebia que existia um arcabouço técnico muito consolidado quando o tema era infraestrutura em favelas, mas isso não se aplicava quando o tema era habitação. Não havia parâmetros de qualidades para favelas”, afirmou.
A arquiteta decidiu, ao iniciar o mestrado em 2003, com apoio da FAPESP, abordar o tema da qualidade de habitação em favelas. “Havia métodos para definir critérios de qualidade em habitação de interesse social e eu fiz a proposta de adaptá-los para as favelas. A partir dessa ideia, o estudo acabou se transformando em um doutorado direto”, explicou.
Requisitos de desempenho
Para testar a eficácia do método, Patrícia analisou projetos feitos para reurbanização das favelas Jardim Olinda, na zona Sul, e Vila Nova Jaguaré, na Oeste, que fizeram parte do Programa Bairro Legal, na capital paulista, entre 2001 e 2004.
O estudo se divide em duas vertentes: moradia autoconstruída e nova unidade habitacional. No caso da moradia autoconstruída – abordado de forma preliminar –, foram propostos três indicadores de habitabilidade: acesso ao sol, risco de incêndios e risco de injúrias físicas (acidentes domésticos).
No caso da nova unidade habitacional projetada por arquitetos, com base em diversas fontes, Patricia propôs requisitos de desempenho da moradia, tendo em vista que ela se situa em uma favela: requisitos para o ambiente, para os edifícios e para a unidade de vizinhança – o conjunto de edifícios a serem projetados.
“Os requisitos são divididos em três categorias: requisitos de habitabilidade, requisitos dimensionais, relacionados ao espaço de moradia e requisitos unidade-flexibilidade, que permitem ao morador fazer alterações de acordo com suas necessidades sem que isso piore as condições da moradia”, disse.
Um dos pontos discutidos no trabalho é a determinação de uma área mínima de 50 m² para a unidade habitacional na favela. Segundo Patrícia, essa delimitação não atende à variabilidade de perfis familiares existentes nessa área.
“O número de famílias em favelas está aumentando cada vez mais, ao contrário do número de membros por unidade que vem caindo. Em vez de uniformizar, uma solução é que poderíamos planejar unidades habitacionais menores, com um quarto, convivendo com outras maiores com dois ou três quartos” sugere.
Segundo dados de 2008 da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, as favelas no município de São Paulo contam com 377 mil domicílios com uma população residente de 1,59 milhão de pessoas, o que representa 14,20% da população. Mas se forem incluídos os loteamentos clandestinos e irregulares esse índice sobre para 32% dos moradores da capital com quase 3,5 milhões de pessoas vivendo nessas áreas.
A mobilidade urbana é uma questão pouco discutida nos projetos. “Além de ter uma infraestrutura que propicie acesso a transporte público, é necessário um espaço disponível, por exemplo, para se montar um bicicletário externo no prédio”, cita.
A pesquisadora acrescenta que o perfil dos moradores nessas áreas determina outras necessidades de projeto. “Muitos moradores de favela, por exemplo, vivem da coleta de material reciclado para sobreviver. Se não houver um espaço para essa finalidade, inevitavelmente esse material vai ser guardado dentro de casa”, diz.
Adensamento extremo
Um dos entraves à criação de espaços públicos nos projetos urbanísticos é o adensamento populacional nas favelas. Enquanto a média na cidade é de 60 habitantes por hectare, nas favelas o índice é de 600 habitantes. Uma das soluções seria a construção de prédios com mais de quatro andares.
“Mas essa solução é evitada para que não se precise ter de colocar elevadores, o que aumentaria o custo do condomínio. Uma das coisas que defendo é mesclar espaços no térreo e alugá-los para diminuir os custos”, defende.
Segundo ela, a maioria dos requisitos propostos não interfere no custo final do projeto, mas indiretamente há um aumento da área a ser construída. “O que procuro comprovar é que um projeto de urbanização que pretende garantir qualidade para as moradias precisa dar igual importância para as questões de infraestrutura urbana e para a arquitetura das tipologias habitacionais”, reforça.
Para João Sette Whitaker Ferreira, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e orientador do estudo, a tese coloca o aspecto da qualidade arquitetônica e urbanística para o centro das discussões dos projetos e programas de urbanização nessas áreas.
“Existe um viés nas políticas de urbanização de favelas que consiste em tentar resolver o problema do saneamento básico e ambiental, deixando em segundo plano a discussão sobre a necessidade de se criar uma condição digna de moradia”, Ferreira.
Ferreira deixa claro que o método desenvolvido não faz uma crítica aos projetos analisados, mas os utiliza para testar a própria metodologia desenvolvida. “O método pode ser uma diretriz a ser utilizada muito mais para evitar equívocos e antecipar problemas”, diz.
A pesquisadora diz que as dificuldades para se implementar projetos nessa área são muitas. “Diante de tantas carências, a introdução de qualquer elemento adicional corre o risco de parecer supérfluo. Mas as dificuldades não podem justificar a produção pública de moradias que não atendam às necessidades dos moradores. Unidades mal projetadas significam desperdício de dinheiro público”, afirma a arquiteta.

Esta reportagem foi publicada no dia 17/01/2011 no sítio agencia.fapesp.br. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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