Sociologia
19/01/2011
Exercício da cidadania requer aprendizagem e prática
Mendes estudou o tema em sua dissertação de mestrado “ Concepção da Cidadania”, apresentada em 2010 na Faculdade de Direito (FD) da USP. De acordo com o cientista jurídico, simbolicamente, comportar-se como cidadão implica em quatro momentos: o surgimento do problema social (questões que afetam a comunidade), entendimento e análise lógica desta questão, procura racional de uma solução adequada para o caso, e a confirmação, para o cidadão, de que a solução encontrada satisfaz o problema social enfrentado.Para Mendes a questão da cidadania está, hoje, mais vinculada a uma relação de consumo do que a um processo de formação de personalidade. “Quando a pessoa vai fazer um documento no Poupatempo, ela pega um pedaço de papel e, com este ato, se considera um pouco mais cidadã. Mas cidadania não é isso: é viver em harmonia com o outro, transformar princípios e valores em atitudes que não beneficiam só interesses individuais, mas interesses coletivos. Por exemplo, eu varro a rua para evitar que o lixo se acumule e prejudique tanto a mim quanto aos meus vizinhos”, explica.
Segundo o pesquisador, a concepção de cidadania adquire seu formato de acordo com o problema a afligir a comunidade. O jurista argumenta que “talvez por isso seja tão difícil ser cidadão, principalmente em um país de tradição democrática recente como o Brasil e onde a educação formal não é valorada como elemento fundamental na diferenciação entre ‘súdito’ [aquele que simplesmente segue a vontade do governante] e ‘cidadão’ [capacidade para procurar e agir de maneira mais autônoma possível em prol de interesses próprios, limitado tão somente pelo ordenamento legal e pelo respeito ao bem comum]”.
A pesquisa de Mendes não teve a intenção de limitar-se à doutrina jurídicas (teorias de direito) e à jurisprudência (decisões do tribunais). O foco foi direcionado para “buscar uma maneira de elaborar uma teoria que o público comum e não só cientistas jurídicos ou pessoas esclarecidas se identificassem para uma conceituação do que seja cidadania”.
Para realizar o estudo, o cientista jurídico considerou diferentes tipos de narrativa sobre a conceituação de cidadania nas teoria dos filósofos Aristóteles, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau; passando a uma análise das transformações sofridas pela concepção do termo no pós-independência no Brasil Império, no Estado Novo e no processo de redemocratização do Brasil, considerando questões políticas e econômicas; para, ao final, levantar algumas hipóteses sobre a espetacularização da cidadania e a transformação dos cidadãos em plateias para projetos de poder de políticos profissionais, principalmente na fase brasileira atual.
Segundo o pesquisador, o estudo não intenciona julgar as sociedades dos teóricos pesquisados e suas concepções de cidadania, mas sim apenas tê-las como modelo-padrão para a formação de um conceito baseado em valores e princípios simples de vida em sociedade, como o respeito ao outro e o respeito à liberdade.
Mendes assinala que a concepção de cidadania para não ser apenas formal, requer a capacidade de a pessoa dispor de objetivos racionalmente possíveis de como tornar concretos seus ideais. “Como toda regra, a formulação teórica de uma concepção de cidadania tem como primeiro passo a intuição para a identificação de regras sobre o assunto dentro da Constituição ou de leis inferiores, tornando a sua definição mais palpável ou palatável ao cidadão comum “, diz.
Visão egocêntrica de mundo
O pesquisador, no entanto, não se limita a questões individuais. “Muitas decisões governamentais não privilegiam a sociedade como um todo, mas o interesse de setores da população”, conta. Ele cita o atual discurso de muitos meios de comunicação, sobre diversos acontecimentos cotidianos, como acidentes, enchentes, crimes. “Esse discurso vale-se de argumentações opinativas e não da lógica, e só acabam por inflamar a teia de queixas e reclamações vazias. Assim, os ‘cidadãos’ reclamam da ausência do Estado porque precisam encontrar um culpado pois pagam impostos e, por isso, devem ser servidos; enquanto que, do outro lado, o Estado se defende das reclamações, acusando os cidadãos de serem os provocadores para todas as desgraças cotidianas”, destaca.
“A culpa está ao mesmo tempo dos dois lados. Falta a consciência de cada um ou uma orientação que esclareça dentro do conceito de cidadania a diferença entre achismos e racionalidade. O achismo é o não viver, pois não há reflexão; a racionalidade é ter a capacidade de interagir, de buscar causas e soluções, que se proponham críticas e equilibradas quanto a interesses individuais e coletivos”, conclui.
Esta reportagem foi publicada no dia 18/01/2011 no sítio usp.br/agen. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.