Disciplina - Sociologia

Sociologia

14/04/2011

As origens da expressão “politicamente correto”

Por Idelber Avelar
Dito assim, parece à toa. Mas quando desempacotamos as premissas e conclusões que se desprendem desse enunciado, algumas consequências se impõem para a prática política de esquerda. Não se trata só de que os sujeitos que se utilizam da linguagem não são neutros, mas que os próprios vocábulos, estruturas e entonações da língua trazem consigo uma história carregada de sentidos culturais e políticos. Não é do interesse dos que lutam ao lado dos mais fracos ignorar ou minimizar essa história.
A expressão “politicamente correto” se firmou na língua inglesa como parte de uma ofensiva da direita estadunidense nas chamadas guerras culturais dos anos 1980 e 1990. Embora haja ocorrências da expressão em textos da New Left (a Nova Esquerda), foi naquelas batalhas que o termo passou a funcionar como designação de um suposto autoritarismo policialesco da esquerda no uso da linguagem. A esfera do politicamente correto abrangeria classe, raça, gênero, orientação sexual, nacionalidade, descapacitação e outros marcadores de subalternidade. Mas, sem dúvida, o exemplo paradigmático sempre foi racial.
Enquanto parte significativa dos negros dos EUA passava a utilizar, como autodescrição, o termo “afro-americano” — sob a lógica de que preferiam identificar-se pela cultura de origem, e não pela cor da pele —, o conservadorismo realizava simpósios como “Correção Política e Estudos Culturais”, promovido pela Conferência das Humanidades Ocidentais, em Berkeley, em 1990. O colóquio se propunha a examinar “qual o efeito que tem sobre a pesquisa acadêmica a pressão para se conformar a ideias atualmente na moda”. Tomava corpo a bem sucedida estratégia da direita nas guerras culturais. Partia-se de uma premissa jamais demonstrada, a “pressão” para que se adotassem expressões “politicamente corretas”. No mundo realmente existente, não se tinha notícia de grandes pressões do movimento negro sobre quem fosse para que se abandonasse o termo “black” por “African-American”. Não se tinha notícia de que ninguém tivesse sofrido dano considerável por não usar “ele ou ela” (ao invés de somente “ele”) em frases com sujeito de gênero indeterminado. Mas o mero ato de se explorar a possibilidade de uma nomenclatura alternativa, mais conforme à identidade reclamada pela comunidade, no caso racial, mais inclusiva e menos discriminatória, no caso dos pressupostos sexistas da língua, já oferecia o arremedo de bicho-papão a partir do qual a direita dos EUA desenvolveria sua tática favorita: silenciar o outro enquanto se faz de vítima oprimida. O coroamento dessa tática ocorreu no famoso caso da Universidade Stanford, que marcou a vitória da direita naquele debate e a consolidação da expressão “politicamente correto”.

Esta reportagem foi publicada no dia 04/4/2011 no sítio revistaforum.com.br/. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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