Disciplina - Sociologia

Sociologia

04/07/2011

Como casar os filhos na China

Por Cíntia Acayaba
Mulher nascida em 1982. Tem 1,76 metro de altura e 65 quilos. Trabalha em um banco. Recebe salário de 8 mil yuans (cerca de 2 mil reais). Tem seu próprio apartamento. Quer um marido com 1,82 metro, proprietário de casa ou carro. O anúncio, escrito em papel sulfite, foi feito por um pai chinês em busca de um marido para a sua filha.
O cartaz da mulher de 28 anos está ao lado de outras centenas de anúncios semelhantes dispostos em um banco do Parque Zhongshan, no centro de Pequim.
Os primeiros pais chegam pela manhã. Conseguem se acomodar nos bancos do parque, onde dispõem os cartazes. Em um deles está Jia Hui, de 70 anos, que pela sexta semana comparece ao mercado para uma missão dupla: conseguir uma boa mulher para seus dois filhos de 33 e 31 anos. Uma “boa mulher” tanto para Hui como para a maioria dos chineses é aquela que tem posses e estudos. “Se não tiver uma casa é importante que ela tenha um carro ou ao menos um bacharelado.” O filho mais novo, Kanny, professor de Engenharia Eletrônica, sabe aonde sua mãe vai aos domingos. “Está difícil encontrar alguém e entendo o que faz, mas acho que ela está mais preocupada em arranjar uma mulher para meu irmão”, diz ao telefone, um pouco envergonhado.
No início da tarde não há mais lugar nos bancos do parque e o jeito é abrir a cadeira dobrável ou caminhar com o cartaz com as informações sobre o filho pendurado ao corpo. A essa hora do dia, a grande quantidade de sexagenários no mesmo espaço do parque começa a despertar a atenção dos turistas.
O professor de Engenharia aposentado Zhang Zhonghao, de 65, não gosta que fotografem o cartaz de sua filha, mas adora conversar com os poucos visitantes estrangeiros no parque. “Os europeus são mais altos do que os chineses e podem combinar mais com minha filha.” Além da estatura europeia, Zhonghao acredita que os homens do Velho Continente têm mais propriedades em relação aos primeiros filhos do capitalismo chinês.
A filha, Zhang Shan Shan, tem 27 anos, 1,76 metro, trabalha como administradora de empresas e tem uma “carreira brilhante”, segundo o pai. “Ela trabalha demais. Hoje, por exemplo, está na Malásia, em viagem de negócios. Não tem tempo para encontrar um noivo à sua altura.” Diferentemente de Hui, Zhong-hao parece não querer aceitar um noivo somente com bacharelado, sem bens. “Um homem chinês não gosta de ser inferior à sua mulher economicamente.”
Segundo uma pesquisa publicada no popular site chinês Sohu.com, 80% dos homens chineses aceitam o que chamam de “casamento pelado”, sem imóvel, carro e aliança. Mas 70% das mulheres não querem se casar sem “as roupas”. É comum ouvir histórias de que solteiras recusaram um segundo encontro ou até mesmo o bate-papo inicial ao saber que o pretendente não tem meios para comprar uma casa. O boom imobiliário que disparou os preços dos imóveis na China, desde 2007, em até 800%, em Pequim, nos últimos oito anos, acaba por distanciar os jovens do matrimônio. Há até um dito popular chinês: “Sem casa? Pegue a estrada!”
A situação para os homens ainda tende a se complicar. De acordo com o último censo, a desproporção entre homens e mulheres aumentou: há cem mulheres para cada 118,06 homens. Em duas décadas, perto de 15% dos homens não terão com quem se casar, projeta uma revista local. A falta de mulheres no mercado é uma consequência da Política do Filho Único. Como se privilegia o sexo masculino, é comum que casais optem por abortar um feto do sexo feminino.
Um homem que não tem idade para ter filhos de 20 anos se acerca de Zhonghao. É o médico Li Ying Li, de 32. Conversa com o professor aposentado e pede para ver as fotos da filha. “Muito bonita”, afirma o médico ao se afastar do sogro em potencial. “Mas não dá para mim. É muito alta”, diz. “É quase impossível encontrar alguém que combine com você”, completa o médico.
Ying Li foge à regra dos frequentadores do mercado. Ele é um dos poucos solteiros no parque em busca de uma mulher para si mesmo. Trabalha na emergência de um hospital de Pequim e diz usar a única folga da semana para participar do mercado. “É a primeira vez que venho. Uma médica, colega do hospital, casou-se há 20 dias com um homem encontrado pelos pais em Zhongshan”, conta. “Ela está feliz, quem sabe eu também não dou sorte?”
Ying Li sofre certo preconceito social, apesar de ter um bom emprego e um teto. Desta vez, o que atrapalha são as tradições chinesas que não veem com bons olhos um homem solteiro após os 30 anos. Se para eles, o casamento deve acontecer por volta dos 30, elas devem fazer o cálculo para alguns anos antes, entre 26 e 28. O jornal China Daily alerta em seu noticiário para o fato de que a juventude tem adiado demais a boda e colocado a carreira em primeiro lugar. É por essa e nenhuma outra razão que Pan Zhi Lin, de 75 anos, frequenta há cinco o mercado casamenteiro. Ela quer uma mulher para seu filho de 38 anos, diretor em uma indústria, salário de 4 mil dólares por mês, casa e carros.
Depois de ler os currículos, os pais iniciam conversas com os progenitores de quem lhes possa interessar. Sacam cadernetas dos bolsos e começam a anotar. Perguntam os salários, diplomas, signo no horóscopo chinês e até o tipo sanguíneo. É nesta hora que a maioria das fotos se revelam. A beleza é importante, mas está em segundo plano. A troca de telefones acontece e os filhos vão se encontrar às cegas em algum restaurante da cidade. Os pais garantem que os herdeiros não têm de se casar com quem eles escolheram, como acontecia antigamente. Mas a sugestão e o trabalho empregados devem ser levados em conta pelos descendentes.
“E o amor?”, pergunta o engenheiro- de computação Zhang Donchen, de 27anos, que até então desconhecia o mercado. “Pensando bem, eu entendo esses pais. Acho o amor importante, mas o trabalho e a formação acadêmica são mais valorizados nos dias de hoje.”

Esta reportagem foi publicada no dia 11/06/2011 no sítio cartacapital.com.br. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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