Sociologia
06/09/2011
Entidades da Umbanda refletem história cultural brasileira
A história cultural brasileira pode ser aprendida e apreendida não apenas em livros de História, mas também em Terreiros de Umbanda espalhados por todo o País. Essa afirmação é um reflexo de estudos sobre a Umbanda realizados no Laboratório de Etnopsicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, que é coordenado pelo professor José F. Miguel H. Bairrão. “A religião é concebida dentro do caldeirão cultural brasileiro congregando elementos do espiritismo, catolicismo, tradições indígenas e das religiões de origem africana”, descreve o pesquisador Rafael de Nuzzi Dias.No estudo denominado Correntes ancestrais: os pretos-velhos do Rosário, Rafael reforça a ideia da antropóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC), Maria Helena Villas-Boas Concone, de que a Umbanda é formada por personagens retirados da experiência histórica e da memória coletiva brasileira. Como, por exemplo, o preto-velho e o caboclo.
“O preto-velho umbandista é associado aos escravos do Brasil pré-colonial e apresenta-se como ancestral afro-brasileiro, assim como o caboclo está relacionado com os indígenas e os baianos com os migrantes nordestinos”, afirma o pesquisador. “Essas entidades rememoram a cultura e a história (afro) brasileira por intermédio de alguns de seus personagens mais marcantes”, ressalta.
Universo Simbólico dos Pretos-Velhos
O estudo de Rafael Dias debruça-se especificamente sobre o preto-velho, entidade espiritual construída a partir da referência simbólica dos negros, ancestrais afro-brasileiros, trazidos da África para serem escravizados em terras brasileiras.
Em suma, são entidades que remetem à ascendência africana de grande parte do povo brasileiro, e que uma vez “abrasileiradas” trazem em seus ritos e performances a marca de uma forte herança católica. “O preto-velho é a entidade espiritual da umbanda que mais herdou e carrega elementos católicos, como a cruz, o rosário, os terços e suas orações”, afirma Dias.
Segundo o pesquisador, a influência católica é tão presente sobre os pretos-velhos, que eles, muitas vezes, se revelam como uma espécie de metáfora afro-brasileira do próprio Jesus Cristo, bastião do catolicismo. “Todos eles trazem uma marca de sofrimento ou de sacrifício e deixam a seus devotos a mensagem de que é possível elevar-se espiritualmente a partir do sofrimento, coerentemente com a lógica cristã”.
Para Dias, essa memória coletiva do período escravocrata brasileiro, presente nas marcas, narrativas e performances dos pretos-velhos, funciona como recurso simbólico para a resolução de conflitos subjetivos (individuais e coletivos) dos fiéis que os incorporam ou que com eles se consultam. “Os pretos-velhos agem na conciliação do homem com seu próprio inconsciente. Integrando marcas de filiação e pertencimento contidas na tradição e na cultura. Com isso, eles convocam a pessoa a assumir seus direitos e deveres enquanto elo de uma corrente ancestral”, afirma.
De acordo com o autor, isso é possível porque os conflitos e tensões psicológicas das pessoas são, em última instância, de natureza social e histórica, ou seja, também são permeadas pela cultura e pela tradição de seu povo.
Método
Para validar suas conclusões, a pesquisa de campo foi desenvolvida em quatro terreiros de umbanda da região de Ribeirão Preto, São Paulo, todos distintos e independentes entre si. Dentre os quatro terreiros, o Terreiro de Umbanda Pai José do Rosário — onde houve um trabalho de imersão de três anos — foi escolhido como caso-modelo para a apresentação dos resultados do estudo.
A obtenção dos dados se deu por meio de entrevistas semiabertas e da escuta participante, uma união dos métodos e instrumentos da observação participante, da antropologia, com a escuta psicanalítica lacaniana. “Num certo sentido, o objetivo do estudo foi aplicar, de forma não reducionista, os potencias práticos das ferramentas da clínica analítica nos terreiros. Como exemplo dessas ferramentas estão a transferência e a atenção ao sujeito do inconsciente, no contexto da Umbanda. Ou seja, em um contexto de um fenômeno social”, explica Dias.
Esta reportagem foi publicada no dia 01/09/2011 no sítio usp.br/agen. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.