Disciplina - Sociologia

Sociologia

02/12/2011

A ciência diante de grandes desafios

Por Silvya Miguel
O planeta atingiu em 2011 o patamar de 7 bilhões de habitantes e, segundo estimativas da ONU, poderá contar com 10 bilhões de moradores em 2100. Em 200 anos, desde a Revolução Industrial, a agenda global tem se ocupado prioritariamente com assuntos militares, deixando o bem-estar comum como questão secundária. Na crise mundial de 2008, mais uma vez perderam o ambiente e o combate à miséria, pois os recursos filantrópicos migraram para socorrer o sistema financeiro. A globalização é contraditória e suas engrenagens, quase sempre obscuras. Difícil responder assertivamente se o novo modo de vida contemporâneo acirrou assimetrias ou se tem funcionado como facilitador do desenvolvimento. Mais ainda, se as mudanças de mentalidade trazidas pela globalização caminham em paralelo com sociedades mais justas e igualitárias.
Nesse cenário de incertezas globais em quase todos os setores, a Rio + 20 – reunião da ONU sobre ambiente que se realizará em junho de 2012 no Rio de Janeiro – desponta como uma arena privilegiada para planejar o futuro, mostrou o professor e ex-reitor da USP Jacques Marcovitch, em palestra realizada no dia 19 de outubro, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA).
A palestra de Marcovitch – sobre “Desafios da Globalidade: As Assimetrias da Sociedade Internacional” – foi uma das atividades das Conferências USP, evento promovido pela Pró-Reitoria de Pesquisa, que teve início em agosto passado e se estenderá até dezembro.
Amazônia – Em sua palestra, Marcovitch destacou a importância do debate sobre a Amazônia. A floresta é uma prioridade sempre destacada no exterior e sua reserva hídrica, essencial à sobrevivência da civilização. O rio Amazonas responde por 1/5 do volume de águas lançado por todos os rios do mundo anualmente nos oceanos. Seu ciclo influencia decisivamente as correntes marítimas que alimentam a pesca na Noruega, razão suficiente para que aquele país tenha apoiado, decisivamente, o Fundo de Preservação da Amazônia, com US$ 1 bilhão. “Tais recursos têm o mérito inaugural desse tipo de cooperação e da possível fixação de um novo paradigma”, assinalou Marcovitch.
Os serviços ambientais prestados à humanidade por esse bioma são inumeráveis. Por sua importância decisiva na regulação do clima, Marcovitch acredita que “os países ricos deveriam remunerar o papel da grande floresta no ciclo das águas e na formação das chuvas”.
O mecanismo conhecido como REDD (Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação) ainda “suscita grandes expectativas”, disse. Nascido por consenso na Declaração das Partes em Cancún, o REDD funcionaria como uma solução de mercado na busca pela comercialização internacional do carbono florestal. Para o professor, pode ser um tipo de financiamento mais eficaz que fundos de ajuda internacional.
Além da preservação, os recursos financeiros são fundamentais para o “povoamento científico” da Amazônia, onde atuam apenas 5% dos cientistas brasileiros, disse. Por isso, a justa preocupação do exterior com esse patrimônio da humanidade ocasiona reações inaceitáveis. “Internamente, é a xenofobia dos que imaginam uma conspiração estrangeira para a posse dos bens ecológicos existentes. Outra reação decorre da inabilidade ou má fé de lideranças externas quando relativizam a soberania do Brasil na Amazônia”, afirmou.
Geopolítica – Marcovitch classificou a dramática falta de alimentos na Somália, na África, como a mais eloquente assimetria social e ambiental do planeta. A erradicação da pobreza é pura retórica e uma meta mais crível seria a busca pela erradicação da miséria, estágio social já dimensionado pela ONU. A governança internacional do clima deve incorporar a erradicação da miséria como um novo ideário, acredita.
País nenhum deve parar de crescer para atingir a “economia verde”, já que o consumo das camadas emergentes é um direito inalienável, ressaltou Marcovitch. O limite ao consumo é uma etapa que “não está posta, e somente deve ser discutida quando for socialmente discriminatória”, disse.
O marco representado pela Convenção do Clima, em Kyoto, de 1997, deverá ser analisado na Rio+20. Porém, precisa ser balizado sobre uma pauta que considere o atual cenário geopolítico. “Quem imaginaria que o PIB chinês viesse a alcançar um patamar em torno de US$ 4 trilhões e que a União Soviética e o comunismo europeu desaparecessem por inteiro do cenário geopolítico?”
Os discursos pessimistas falam do “caos irreversível” e os otimistas acreditam numa “salvação a curto prazo”. Há quem acredite numa “bactéria do bem”, capaz de absorver todo o CO2 da atmosfera, ou mesmo em que todos os equívocos do Protocolo de Kyoto sejam revertidos como num passe de mágica, ponderou.
Na busca do “modelo verde”, o professor voltou a falar da necessidade do estabelecimento de métricas verificáveis de sustentabilidade e alertou para o fenômeno do greenwashing, termo em inglês usado para designar empresas que tentam “lavar sua imagem” com o anúncio de práticas sustentáveis, para maquiar suas ações com o ambiente.
Além da palestra de Marcovitch, as atividades do dia 19 de outubro, na FEA, incluíram a apresentação das linhas de pesquisa e trabalhos desenvolvidos em quatro unidades da USP sobre temas ligados a assimetrias e globalidade.

Esta reportagem foi publicada em 08/11/2011 no sítio http://espaber.uspnet.usp.br/jorusp/?p=19072.Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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