Sociologia
29/08/2012
Mão de obra escrava no MT
Por Thiago Foresti / Carta Capital
Um dos trabalhadores encontrados em condições análogas à escravidão em Poconé (MT): Justiça decretou a falência da Alcopan. Foto: Thiago Foresti.
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O sol do meio-dia é o horário mais insalubre em Mato Grosso, principalmente em agosto, período de intensa seca e queimadas. No distrito de Chumbo, em Poconé, a apenas 100 quilômetros da capital do Estado, trabalhadores com facão na mão, rostos sujos e roupas rasgadas tentam se proteger do sol que arde sob suas cabeças. Alguns se abrigam numa fresta de sombra ao lado do precário ônibus que os trouxe para o canavial, outros improvisam cabanas feitas com canas. Sentados, eles dividem a pouca água que têm e aguardam esperançosos que a marmita do dia chegue.
O grupo veio de Alagoas, dormem num alojamento apertado no Chumbo, sem condições sanitárias adequadas e estão há quatro meses sem receber salário. Não têm dinheiro para voltar para onde vieram. Cansados, sujos e com fome eles avistam quatro caminhonetes 4×4 se aproximarem levantando poeira por uma estrada vicinal. De dentro do ar-condicionado saem fiscais do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Superintendência Regional de Trabalho e Emprego (SRTE), policiais armados do Grupo de Operações Especiais (GOE) e um grupo de repórteres e cinegrafistas com microfones e câmeras.
As vítimas trabalham na Alcopan – Álcool do Pantanal Ltda, que já responde por diversos procedimentos e ações perante o MPT e a Justiça do Trabalho em razão de irregularidades trabalhistas. A empresa encontra-se em recuperação judicial desde 2009 e acumula dívidas de 150 milhões de reais. Mesmo diante desse quadro a empresa continua a trazer trabalhadores do Nordeste para fazer girar as engrenagens da usina que produz atualmente 20 milhões de litros de álcool vendidos nos postos do estado.
Segundo a promotora de Justiça Maria Fernanda Côrrea da Costa, o impasse na Alcopan é um claro exemplo do mau uso do mecanismo de recuperação judicial. “A empresa se apropria do trabalho dos empregados, produz álcool e vende no mercado. Quando indagada sobre o pagamento de seus débitos atuais, diz que, por conta da recuperação judicial e em razão da decisão judicial, seus bens e valores estão bloqueados pelo Juízo e nada pode fazer. Ou seja, a empresa se aproveita do espírito da Lei de recuperação judicial para atuar à margem da lei.”
Gelson dos Santos, que veio do Nordeste para trabalhar no Mato Grosso: sem recebrer salários há quatro meses. Foto: Thiago Foresti |
“Não há dúvida que estamos diante de um quadro de trabalho escravo”, diz o procurador Rafael Garcia. Para ele a empresa age de má fé ao trazer trabalhadores de outros estados sem oferecer condições de pagar seus salários. “Isso deixa a esfera da responsabilidade trabalhista e a empresa passa a agir com verdadeiro dolo com a finalidade única de conseguir o máximo de lucro. A forma como ela obtém isso é não pagar a sua mão de obra”. O procurador ainda critica a recuperação judicial: “Esse mecanismo é fruto de uma lei com o objetivo maior de proteger o capital e o empresário em detrimento dos trabalhadores. É uma situação completamente sui generis onde a empresa transforma uma oportunidade numa mescla de ilegalidade”.
Na quinta-feira 23, a juiza titular da 4ª Vara Cível de Várzea Grande, Anglisey Solivan de Oliveira, decretou a falência da Alcopan.
O que costuma atrair mão de obra do Nordeste para Mato Grosso é o título de maior potência agrícola do país. Todos os trabalhadores entrevistados pelos auditores disseram ter ouvido sobre ótimos salários e bons empregos no estado. “Nunca ia imaginar que ao chegar aqui me depararia com algo assim”, diz Jailson Cassimiro da Silva, que deixou a família em Alagoas e veio para Poconé atrás de melhores condições. “Agora não tenho dinheiro pra enviar pra minha família nem condições de voltar para casa”.
A potência do agronegócio é também a que mais tem empresas na lista suja do Ministério do Trabalho; são 28, o que corresponde por quase um quarto do total. Dentre os tipos de empreendimentos a que mais recorre ao trabalho análogo à escravidão é justamente o sucroalcooleiro. Em seguida vem a pecuária, construção civil e lavoura agrícola.
Esta reportagem foi publicada no sítio www.cartacapital.com.br em 23 de agosto de 2012. Todas as informações contidas nela são de responsabilidade do autor.