Sociologia
05/09/2012
Raves trouxeram consequências a frequentadores
Por João Ortega - Agência USP de NotíciasAs festas raves, que acontecem no Brasil desde a década de 1990, trouxeram experiências particulares e foram parte importante da juventude que a frequentou. Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a antropóloga Carolina de Camargo Abreu procurou descrever o universo destas festas de longa duração, com música eletrônica, realizadas em locais afastados dos grandes centros urbanos. Para tanto, recolheu depoimentos de quem já foi frequentador das raves.
Raves proporcionam interação entre a música, a dança, o ambiente e as pessoas
A pesquisa Experiência Rave: entre o espetáculo e o ritual é a tese de doutorado de Carolina e foi orientada pelo professor John Cowart Dawsey. Entre as experiências marcantes documentadas, existem algumas que exemplificam a importância das raves para quem já foi frequentador e não é mais. “Aprendi a amar na rave, disse uma das entrevistadas”, revela a antropóloga. “Muitos falaram sobre as raves como uma passagem entre a infância e a vida adulta”, conta. Neste sentido, houve comparação com o que foi o Woodstock — festival de música realizado em 1969 numa fazenda nos EUA — para as gerações anteriores. Carolina ressalta, porém, que “a pesquisa não procurou por um diagnóstico, um quadro geral sobre as consequências dessas festas, mas sim compreender as possibilidades e os riscos que existem nesses espaços sociais”.
O estudo é também, em certa medida, autobiográfico, já que Carolina foi uma frequentadora de raves durante a década de 1990. “Trata-se de uma experiência peculiar de interação social, de interação sensual com o mundo, de compartilhamento com outras pessoas”, relata.
Ritual
Muitos dos frequentadores das raves autointitulam-se como membros de uma Global Tribe (Tribo Global), especialmente nas festas de trance music, um segmento da música eletrônica. Nestas festas e festivais há aproximações da rave com rituais indígenas. Entretanto, mesmo mimetizando as celebrações indígenas, as raves utilizam particularmente tecnologias industriais disponíveis a partir da década de 1980.
A música eletrônica tem sua base na batida feita pelo computador, enquanto as canções indígenas utilizavam a percussão. A pintura corporal também está presente nas raves, mas é feita com tinta fluorescente, que é fruto de tecnologia química recente. Muitas pessoas, nesses locais, utilizam máscaras e adereços que remetem a culturas indígenas. Totens são construídos, sendo geralmente luminosos. Em alguns dos festivais, inclusive, tribos indígenas são chamadas para participar, tendo sua passagem e estadia paga pelos organizadores.
A Global Tribe procura, mais do apenas diversão, transcender a realidade cotidiana da vida urbana. Esta busca, que também é de autoconhecimento, acontece por meio da experimentação de interações com a música, com as pessoas presentes e com o ambiente.
Os eventos sempre acontecem longe dos centros urbanos, muitas vezes em locais paradisíacos como praias e cachoeiras. Nos festivais, as pessoas têm o costume de dividir suas posses e interagir com as outras como se fossem conhecidos de muito tempo. “Apesar da experiência comunitária das raves normalmente não se desdobrar imediatamente na estrutura da vida cotidiana, é algo potencialmente transformador “, relata a antropóloga.
Psicoativos
No espaço social da festa de música eletrônica diversos mecanismos são acionados para a alteração da percepção: música, dança e psicoativos. Peculiar das raves é a articulação da música eletrônica com o ecstasy, psicoativo disponível a partir de meados nos anos 1980 que foi emblematicamente apropriado por essa forma de festejar.
Carolina conta que essa é uma questão delicada de ser tratada, mas que não poderia ser deixada de lado numa tese de antropologia . “Não existe rave sem psicoativos”, constata. “Não são todos os presentes que fazem uso, mas a maioria sim”. No universo das raves, como em outras festas e carnavais, a experimentação festiva é permissiva com o exagero. O assunto, carregado de tabus, requereu da pesquisadora uma postura que não pendesse nem para apologia, nem para a condenação das raves.
Como qualquer droga, os psicoativos utilizados nas raves apresentam riscos. Uma das pessoas ouvida na pesquisa diz: “Amadureci nas raves, mas corri muitos riscos”. Para Carolina, o principal risco do qual falam os frequentadores não é a morte, mas a submissão a um tratamento psiquiátrico.
Entretanto, muitas das pessoas que participaram das raves e contaram ter usado o ecstasy afirmam que foi uma parte importante para seu autoconhecimento, pois mostra um lado próprio que antes não havia sido revelado. A pesquisadora explica: “Passa o efeito do ecstasy, mas a experiência fica e tem repercussões nas pessoas”.
Esta reportagem foi publicada no sítio www.usp.br/agen/? em 27 de agosto de 2012. Todas as informações contidas nela são de responsabilidade do autor.