Sociologia
19/09/2012
Os inimigos da liberdade
Por Paulo Hebmüller/Jornal da USPPopulismo, ultraliberalismo e messianismo são as principais ameaças à democracia, afirma o historiador franco-búlgaro Tzvetan Todorov, em palestra realizada em São Paulo
O choque entre o espírito democrático e o espírito totalitário, apresentando-se este como corretivo dos defeitos do primeiro, foi o principal acontecimento político do século 20, na definição do historiador franco-búlgaro Tzvetan Todorov. O fim da Guerra Fria e a manutenção de apenas uma potência global estão entre os fatores que propiciam o surgimento de ameaças à democracia dentro dos próprios países democráticos. O populismo, o ultraliberalismo e o messianismo são exemplos dessas ameaças, disse Todorov em conferência do ciclo Fronteiras do Pensamento, no dia 5 de setembro, na Sala São Paulo. O tema é abordado pelo autor em seu mais recente livro, Os inimigos íntimos da democracia (Companhia das Letras), no qual Todorov baseou sua conferência.
Para historiar o que chamou de “as três ondas do messianismo político” – colonialismo, comunismo e guerras humanitárias –, Todorov retornou a um debate teológico do início do século 5: a controvérsia entre a proposta de Pelágio de que o ser humano dispõe de uma vontade livre para fazer suas escolhas e alcançar a perfeição – em outras palavras, da autonomia de salvar a si mesmo – e a refutação de Agostinho, o bispo de Hipona. Para Agostinho, há coisas em seu espírito e seu interior que o próprio ser humano desconhece, e portanto não lhe é possível alcançar a liberdade inteira. O que salva é a obediência, que vem da fé na graça divina.
As teses de Pelágio são derrotadas pela argumentação agostiniana e declaradas heréticas no ano 418, com a excomunhão de seus defensores. Ao longo da história, porém, serão retomadas não só pela teologia, mas também pela filosofia e pela política. Para Todorov, o pensamento iluminista do século 18, embora não possa ser identificado como uma doutrina homogênea, se aproximará das teses pelagianas ao defender que o indivíduo pode se aperfeiçoar e aperfeiçoar também a sociedade em que vive.
A herança de Pelágio, revalorizada no final do século 18, sofre na França uma dupla transposição, considera Todorov: as pessoas se preocupam menos com o destino dos indivíduos e mais com o das sociedades – “portanto, menos moral e mais política”. “Os pedidos de autonomia saem das academias e dos salões para descer à rua. O combate já não é conduzido por letrados, mas por homens comprometidos na arena pública”, diz. “Assim é que se passará das publicações confidenciais à Revolução Francesa” (em 1789).
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Esta reportagem foi publicada no site http://espaber.uspnet.usp.br, em 14 de setembro de 2012. Todas as informações nela contidas são de responsabilidade do autor.