Disciplina - Sociologia

Sociologia

22/10/2012

A era de Eric Hobsbawm

Por Isabel Leão / Jornal da USP

imagem de hobsbaumO historiador britânico Eric Hobsbawm, que influenciou gerações com suas análises sobre o cenário político e social internacional contemporâneo, morreu no dia 1º de outubro, em Londres, aos 95 anos, em decorrência de uma longa pneumonia que o manteve internado por meses.

Um dos últimos intelectuais marxistas do século 20, Hobsbawm sempre fez comentários afiados sobre a política adotada pelas grandes potências e as tendências que marcaram a evolução da história recente.

Com uma visão privilegiada das transformações sociais, políticas e econômicas que marcaram o mundo moderno, suas discussões se pautavam por assuntos sobre democracia e anarquia, nacionalismo e terrorismo, o Estado nacional e as organizações transnacionais, a guerra e a paz, a violência e a ordem pública, o poder da mídia, o futebol e a cultura contemporânea.

Para o historiador, os efeitos da globalização, as dúvidas e problemas que abalam a democracia, o terrorismo não devem ser tratados apenas como questões teóricas, e sim como assuntos ligados diretamente à vida cotidiana, influindo no aumento da violência urbana, no nível do emprego e nas eleições.

Nasceu em uma família judia de Alexandria, no Egito, em 1917, e se educou na Áustria e Alemanha. Assistiu à ascensão e vitória do nazismo. Mudou-se para a Inglaterra com sua família para fugir da perseguição antissemita, quando se incorporou ao Partido Comunista em 1936, mantendo sua filiação mesmo depois que a burocracia russa arrasou a revolta Húngara, em 1956, e a Primavera de Praga, em 1968, mantendo-se afastado das intervenções políticas, mas não da ideologia.

Ativo intelectualmente até os 95 anos de vida, é autor de uma vasta obra literária e política, com mais de 30 livros publicados, incluindo alguns best sellers que marcaram a época – como A Era dos Extremos e O Breve Século XX, último de uma série de quatro volumes sobre a história da humanidade desde o século 18.

Recebeu elogios da crítica com a trilogia A Era das Revoluções, A Era do Capital e A Era dos Impérios, um clássico da historiografia sobre o período que vai de 1789 a 1914, sendo o primeiro volume publicado em 1962. Começa com a revolução Francesa, passa pela revolução industrial inglesa, as revoluções que definiram a expansão do capitalismo e do liberalismo no planeta, e vai até as vésperas da Primeira Guerra Mundial.

Ousadia anacrônica – Para a coordenadora do Núcleo de Estudos em História da Cultura Intelectual (Nehci) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, professora Sara Albieri, a série das Eras é um empreendimento de fôlego que explica os tempos mais recentes e conturbados da história do Ocidente, tempos de tragédia e transformação, com reflexos para o mundo como um todo. “Em tempos de timidez epistêmica, a obra de fôlego de Hobsbawm, além de competente e erudita, é ousada, provocativa, ela convida a que se devolva à história a sua inicial maiúscula”, destaca.

Segundo Osvaldo Coggiola, professor de História Contemporânea da FFLCH, as obras de Hobsbawm em parte eram inspiradas pelo marxismo, em outros momentos pela própria trajetória de vida. “Seus trabalhos se destacam por uma constante preocupação política e sinalizam o enfrentamento da luta de classes em cada aspecto da vida operária e suas consequências políticas.” Seu último livro, Como Mudar o Mundo, publicado em 2011, é uma compilação de textos sobre Karl Marx e o marxismo, elaborados desde a década de 1960.

Para Sara Albieri, a obra de Hobsbawm tem o raro mérito de reunir tanto relevância acadêmica como penetração em âmbitos mais amplos de leitores. Ela explica que a historiografia acadêmica, sobretudo na primeira metade do século 20, passou por sucessivas revisões teóricas e metodológicas, que muitas vezes promoveram a exclusão da narrativa e do estilo na história.

Para Sara, o historiador nunca adotou esse divórcio, e por vezes pagou o preço de um certo descaso acadêmico, que tentou classificá-lo entre os autores de divulgação. “Além disso, ele vai ao passado com as questões do presente, uma ousadia anacrônica que, no entanto, inscreve-se na melhor tradição da reflexão histórica de amplo escopo. E, mesmo quando, nas últimas décadas, a escrita da história passou a ser tematizada, problematizada, e por vezes radicalmente considerada como um modo de narrativa ficcional, Hobsbawm não concedeu a qualquer voga intelectual a centralidade da questão da verdade na história. A estaturacapas de livros do historiador da obra do historiador é resultado da fidelidade à sua concepção de história”, analisa.

Marxismo – Kai Enno Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, lembra que é importante separar o historiador acadêmico das visões particulares e cotidianas que ele tinha sobre a política mundial.
Enquanto Hobsbawm distingue a ideologia das ações políticas, outros historiadores afirmam não existir tanta distinção assim. Pelo contrário, para eles, a ideologia leva consequentemente a ações combinadas, explica Lehmann. “Já Hobsbawm afirmava que a invasão da União Soviética na Checoslováquia, em 1968, não tinha nada a ver com a ideologia marxista.”

Lehmann acredita que, por ser um marxista convicto, Hobsbawm tinha uma visão restrita da Guerra Fria. Nunca denunciou os excessos do stalinismo e a invasão das tropas russas na Hungria e na Checoslováquia, por exemplo. “O grande debate entre diversos historiadores e Hobsbawm reside no fato de ter que distinguir qual a consequência de uma ideologia política e as ações políticas particulares”, reflete.

Coggiola também concorda que o historiador, por levar em conta uma grande quantidade de interpretações possíveis para cada fenômeno, valorizando as virtudes de cada uma, acabou derrapando com frequência no ecletismo teórico, muitas vezes beirando o relativismo. “Isso é visível em sua interpretação sobre as revoluções burguesas, ou da ‘dupla revolução’ (econômica e política, inglesa e francesa), que deram origem à era contemporânea, capitalista.”

Hobsbawm, de acordo com Coggiola, nunca abraçou o anticomunismo, mas se definiu como um ex-comunista. De acordo com as palavras do historiador, isso aconteceu “por lealdade a uma grande causa, por lealdade com todos os que sacrificaram sua própria vida, amigos e companheiros mortos, que sofreram torturas e ficaram presos, tanto no regime comunista quanto no capitalista. Se me arrependo? Não. Sei perfeitamente que a causa que abracei demonstrou que não funciona. Talvez não devesse tê-la abraçado”.

Esta reportagem foi publicada no site http://espaber.uspnet.usp.br em 14 de outubro de 2012. Todas as informações nela contidas são de responsabilidade do autor.
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