Disciplina - Sociologia

Sociologia

28/10/2013

Sobre ser mãe e ser livre

Sobre ser mãe e sobre ser livre: o que diz o senso comum sobre a mulher que é mãe

Por Clara Averbuck/Feminismo pra quê?

Porque sou mãe, controlam minha vida. Controlam minhas roupas, meus passos, minhas palavras. Porque sou mãe, controlam meus decotes e minhas saídas. Minhas atitudes e minhas escolhas. Porque sou mãe, porque sou mulher.

Uma mãe com sexualidade é uma mãe ruim. Mãe não pode mais ter desejo, não pode mais ter vaidade e deuzolivre de ter individualidade.

Mãe tem que abdicar de si e dos prazeres dessa vida para apenas exercer a sagrada função.
Mãe que não for casada na indiscutível monogamia tem que procurar um homem de bem, que seja um bom pai e um bom marido. Sexo casual? Jamais! Uma mãe deve se dar ao respeito, tem que dar exemplo. Relações livres? Não é uma opção. Gostar de outra mulher, então, inaceitável! A filha vai virar lésbica, o filho vai virar gay.

Mãe não pode pensar na carreira. Coitados dos filhos dessa aí, só pensa em trabalho. Quem vai criar? Como se os filhos brotassem sozinhos.

Mãe não pode ser a favor da legalização do aborto. Por que então teve filhos? Mata logo todos! Assassina! Só é a favor do aborto porque você e sua filha já nasceram.

Mãe também não pode escolher ficar sozinha. Coitada, essa aí ninguém quer mais. Quem vai querer mulher usada, gasta, que já vem com problema? Filho de outro é problema, todo mundo sabe.

Mãe, quando se sustenta, é porque só pensa em trabalho. Quando ganha pensão, é sem dúvida uma aproveitadora sem vergonha.

Mãe não pode ser livre. Vagabunda! Quantos homens já passaram por esse corpo? Uma vergonha! Desonra! Suja! E também não pode beber. Beber não é coisa de mulher direita.
E não pode dançar que nem puta. Não pode usar roupa curta, não pode cair na noite, não pode, não pode.

Mãe não pode se apaixonar. E as crianças? Vai largar tudo? Que vergonha. Mãe tem que se dedicar, tem que esperar os filhos tomarem rumo. Mãe também não pode querer um tempo a sós. Tem que passar com os filhos, tem que passar todo o tempo com os filhos, todo o tempo livre de todo o resto da vida deles, até que eles não queiram mais. Um tempo sozinha? Desnaturada. Mãe de merda.

E cadê o pai? Ah, casou de novo, sabe como é. Cadê o pai? Ah, mora em outro estado, sabe como é. E cadê o pai? Ah, ele visita a cada 15 dias. E cadê o pai? Não existe. E cadê o pai? Ah, ele até ajuda."Ajuda" porque a responsabilidade é da mãe. O fardo é da mãe. Na hora de fazer foi bom, né? Agora aguenta. Por que não se cuidou? Métodos anticoncepcionais não faltam por aí. E jamais falham, né? Se falhar, não dá nem pra pensar em tirar aquela vida. É uma vida! Uma vida não se tira assim, por egoísmo. Não tem idade? Não tem dinheiro? Não tem ninguém pra dividir a responsabilidade? Não tem vontade? Aguenta.

O pai ninguém julga pela roupa. O pai ninguém julga pela vida sexual. O pai ninguém julga se casa de novo, se sai com uma ou muitas, se bebe, se fuma, se trepa. Homem pode tudo. Ser pai é um detalhe que jamais os desumaniza. Quando o pai exerce sua função, é tratado como herói. Que homem! Vê os filhos, colabora em casa, educa. Que homem especial é aquele que faz o mínimo de sua obrigação.

Porque sou mãe, porque sou mulher, sou julgada o tempo inteiro.

Porque sou mãe e porque sou mulher, vou peitar todo esse conservadorismo, esse machismo, essa palhaçada, e vocês vão ter que me engolir, porque a vida é minha, a filha é minha, eu crio como eu quiser, eu beijo quem eu quiser, eu faço o que eu quiser. Eu sou uma mulher livre e vocês vão ter que me suportar. Eu sou uma mãe livre.

Esta reportagem foi publicada no dia 22 de outubro de 2013 no site http://www.cartacapital.com.br. Todas as informações são de responsabilidade do autor.
Recomendar esta notícia via e-mail:

Campos com (*) são obrigatórios.