Disciplina - Sociologia

Sociologia

12/11/2013

O cinema e o amor

Cinema influencia a compreensão amorosa


Por Ana Paula Souza/USP

A relação entre a produção cinematográfica hollywoodiana e a maneira como o amor é visto na sociedade é o tema da tese de doutorado Projetando a subjetividade: a construção social do amor a partir do cinema, de autoria de Túlio Rossi e apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. O estudo, desenvolvido ao longo de quatro anos de pesquisa, procura entender como os filmes influenciam a construção das noções de amor, bem como a reprodução de crenças e valores morais a partir da idealização da experiência amorosa.

Túlio, que já possuía o interesse de promover uma discussão sobre as relações entre conteúdos de mídias audiovisuais e formas de interagir e expressar percepções, foi atraído pela temática amorosa tanto a partir das análises de teóricos quanto pela observação de determinadas situações do cotidiano. “Sempre me incomodou a tendência de separar o emocional do racional. Inquietavam-me os discursos sobre amor que, frequentemente, lhe atribuíam uma aura mística e, por isso mesmo, dogmaticamente inexplicável e incompreensível. Chamava-me a atenção também o quanto era comum as pessoas, ao darem conselhos sobre a vida amorosa, citarem situações e falas de filmes – geralmente hollywoodianos – para sustentar seus argumentos a favor das crenças que possuíam sobre a ‘realidade’ do amor”.

Para a construção da tese, Túlio analisou, em um primeiro momento, como o amor é visto na atualidade. Tendo como base a leitura de diversas obras, percebeu que a concepção amorosa que permeia os dias de hoje ainda é pautada no ideal do amor romântico. Posteriormente, partiu para o estudo filmes produzidos em Hollywood ao longo das décadas de 1990 e 2000, tendo como foco a investigação de cinco títulos, todos de grande sucesso de crítica e mercado: Uma Linda Mulher, Sintonia de Amor, Titanic, Closer – Perto Demais e O Amor Não Tira Férias. A opção pela análise do cinema norte-americano se deu não apenas pelo seu alcance em escala global, mas também pela grande influência exercida pela produção hollywoodiana nas concepções construídas pelas pessoas.

Entre as observações do estudo, está o fato de que o cinema, além de ser tomado como referência pelas pessoas, também acaba se colocando como um parâmetro, uma vez que as próprias produções cinematográficas fazem alusões aos filmes para abordar a questão do amor. Um dos exemplos destacados nesse contexto pela pesquisa é o filme Sintonia de Amor. “A protagonista, interpretada por Meg Ryan, assiste a um filme de amor antigo com a amiga e comenta: ‘Aquela era a época em que as pessoas sabiam amar’. E sua amiga, construída como personagem mais cética, responde: ‘Esse é o seu problema. Você não quer estar apaixonada. Você quer estar apaixonada em um filme’. Essa distinção entre ‘fantasia’ e ‘realidade’, em relação ao amor no cinema hollywoodiano, é recorrente e bem marcada, sendo que o amor é colocado, em geral, como mais próximo da fantasia, e isso é trabalhado nos filmes, indiretamente, como um caráter legitimidador”.

Um dos objetivos da tese foi discutir as crenças amorosas, tidas como naturais nos filmes, entre as quais se destacam questões relacionadas à noção de monogamia, de eternidade e de oposição entre a razão e a emoção. E esse processo permitiu uma surpresa para o próprio pesquisador: “Percebi o quanto eu tinha crenças enraizadas – e muitas delas conservadoras – em relação ao amor. Como cientista social, senti que estava suficientemente ‘preparado’ para colocar em questão meus próprios dogmas em relação à afetividade, contudo, à medida em que desenvolvia a pesquisa, percebi que eu, enquanto indivíduo, precisava colocar em questão muitas das minhas próprias crenças, as quais antes eu não questionava justamente por tê-las internalizado como formas pressupostamente ‘objetivas’ de enxergar e experimentar o mundo”.

A importância do estudo sobre a interação entre os filmes e as pessoas no momento da construção amorosa se dá, fundamentalmente, pelo fato de que a relação que cada um desenvolve com o cinema extrapola as fronteiras da experiência individual: “Tendo em vista toda a valorização do amor, do ‘encontrar alguém’, considerado no senso comum como condição fundamental e universal para a felicidade – para muitos, ritualmente consolidada no casamento – o tema é relevante por não se limitar à experiência pessoal de cada um, afetando a maneira como as pessoas vivem em sociedade, constroem laços, planejam suas vidas, reproduzem crenças e, sobretudo, estabelecem relações”.

Esta reportagem foi publicada no dia 22 de outubro de 2013 no site http://www.usp.br/agen/. Todas as informações são de responsabilidade do autor.
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