Disciplina - Sociologia

Sociologia

22/04/2014

Mulheres mergulhadoras

Mulheres mergulham e pescam para famílias em ilha na Coreia do Sul


Por Choe Sang-Ru/New York Times na Coreia do Sul

Como vem fazendo há 60 anos, Kim Eun-sil levou seus equipamentos de mergulho para uma praia de pedras no leste da ilha de Jeju para passar o dia fazendo mergulho livre em águas com mais de seis metros de profundidade, para pescar frutos do mar manualmente. Kim, 80, acha que poderá continuar por mais alguns anos com esse trabalho, que vem sendo feito pelas mulheres da ilha há séculos, mas agora está desaparecendo.

"Ainda me viro bem no fundo do mar. Meu marido tinha vida fácil, não precisava fazer nada. Até morrer, quatro anos atrás, ele não tinha queixas de mim."

Kim é uma "haenyeo" ou "mulher do mar". Há anos as mulheres do mar de Jeju, uma ilha na costa sul da Coreia do Sul, enfrentam as águas traiçoeiras do estreito da Coreia, mesmo durante o inverno.

Usando apenas pés de pato e óculos de proteção, elas vasculham o mar em busca de abalone (um molusco), búzios e polvos. A inversão dos papéis de gênero tradicionais, com mulheres chefes das famílias, diferenciou a ilha da sociedade coreana patriarcal.

O trabalho é árduo e perigoso. Quarenta mergulhadoras morreram desde 2009, sendo três neste ano. Hoje as mulheres mais jovens em Jeju, maior destino turístico sul-coreano, preferem trabalhar em hotéis e locadoras de carros.

O número de mulheres do mar caiu de 26 mil nos anos 1960 para 4.500 hoje, 84% das quais têm 60 anos ou mais. "Se não houver recrutas novas, em 20 anos praticamente não haverá mais haenyeo", disse Yang Hi-bum, funcionário governamental em Jeju.

Desde tempos imemoriais as mulheres do mar mergulham mais de cem vezes por dia, agarrando suas presas com as mãos ou às vezes com uma lança. Voltando à superfície um minuto depois, colocam o que pescaram num saco de rede amarrado a uma boia.

"As haenyeo foram as primeiras mães coreanas a trabalhar fora de casa" comentou Koh Mi, editor do jornal "Jemin Ilbo" de Jeju."Foram um símbolo da independência e força feminina na Coreia do Sul".

Em março, o país encaminhou à Unesco um pedido para acrescentar as haenyeo à lista de patrimônios imateriais. Os moradores da ilha consideram que a designação promoveria o orgulho da tradição e apoio à preservação.

Kan Kwon-yong, curador do museu Haenyeo, disse que o mergulho tornou-se trabalho de mulheres desde o século 17, quando os homens saíam ao mar para pescar ou remar em navios de guerra.

"O mergulho garantia a subsistência da família" contou Ku Young-bae, 63, uma das mulheres do mar de Hado-ri, vilarejo de Jeju. "Os homens são preguiçosos. Lá embaixo, onde é questão de vida ou morte, eles são fracos."

Elas seguem uma hierarquia rígida. As mais jovens evitam águas mais rasas, onde ficam as mais velhas ou fracas. Quando a escola da vila precisa de consertos, elas doam parte da pesca.

No passado, elas eram discriminadas por saírem e seus vilarejos com partes do corpo à mostra. Até surgirem roupas de mergulho que cobrem o corpo todo, há 40 anos, as mergulhadoras usavam roupas de algodão que deixavam coxas e ombros à mostra. Mas a chegada das roupas de mergulho de neoprene fizeram com que tivessem coragem de mergulhar em profundidade maior e por mais tempo, o que resultou na pesca excessiva e em prejuízos para a renda e a saúde. Para ajudar a manter viva a tradição, o governo paga pelas roupas de mergulho e subsidia o seguro médico e contra acidentes.

Para que a profissão continue a existir, as mulheres seguem normas, como a adoção voluntária de temporadas de inatividade, zonas de mergulho proibido e limites ao número de dias em atividade.

Mas Kim Eun-sil, que criou cinco filhos e pagou a faculdade de seu marido com seu trabalho de mergulhadora, diz que será a última haenyeo de sua família. "Minha única filha nem sabe nadar.

Esta noticia foi publicada no site http://www1.folha.uol.com.br em 22 de Abril de 2014. Todas as informações nela contidas são de responsabilidade do autor.
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