Sociologia
15/01/2015
O dia em que a ditadura acabou
Há exatos 30 anos, em 15 de janeiro de 1985, a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral punha fim a 21 anos do regime militar
Por Gazeta do PovoUm busto discreto na Praça Osório, no centro de Curitiba, marca o local onde começou a caminhada final para a redemocratização do Brasil. No dia 12 de janeiro de 1984, no local onde hoje está o busto do mineiro Tancredo Neves, lideranças políticas de todo o país e cerca de 50 mil pessoas se reuniram para pedir a volta das eleições diretas para a Presidência da República. O ato foi a largada para a campanha que ficou conhecida como “Diretas Já”, movimento que foi vencido no Congresso, mas que resultou na eleição de Tancredo Neves para a Presidência há exatos 30 anos, em 15 de janeiro de 1985.
Apesar de definida pelo Colégio Eleitoral, a eleição que colocou fim a duas décadas de governos militares começou a ser decidida nas ruas. Durante três meses, de janeiro a abril de 1984, milhões pediram nas ruas para o Congresso aprovar a emenda que reinstituía as eleições diretas para presidente – a última havia sido em 1960, quatro anos antes do golpe militar. A emenda recebeu o nome de seu autor, o então deputado Dante Oliveira (PMDB-MT). No dia 16 de abril de 1984, em São Paulo, no maior ato público da história do país, cerca de 1,5 milhão de pessoas pediram a volta das eleições.
A emenda foi rejeitada pelo Congresso Nacional em 25 de abril, mas o estrago nas bases da ditadura já estava feito. O golpe final veio com um racha no PDS, partido de sustentação do regime militar (a antiga Arena, rebatizada após a reestruturação dos partidos políticos, em 1979). O então presidente do partido, senador José Sarney, propôs a realização de uma convenção para definir quem seria o candidato à Presidência. A tese foi rejeitada pelo grupo ligado ao deputado Paulo Maluf, ex-prefeito biônico de São Paulo.
Sarney entregou a presidência do PDS e governistas de peso, como o pernambucano Marco Maciel e o catarinense Jorge Bornhausen, acompanharam o senador na criação da Frente Liberal (que depois viria a ser o PFL). A oficialização da candidatura de Maluf à Presidência deixou outros governistas descontentes – eram os votos de que a oposição precisava, no Colégio Eleitoral, para vencer a eleição. Sarney foi então oficializado como candidato a vice na chapa encabeçada por Tancredo Neves – por ser um político de tradição conservadora, o mineiro era mais “palatável” aos militares que o principal líder da oposição, o deputado do PMDB Ulysses Guimarães.
Vitória das ruas
“A vitória do Tancredo Neves foi construída nas ruas, na campanha das Diretas”, diz o senador paranaense Alvaro Dias (PSDB). Eleito para o Senado em 1982 pelo PMDB, Alvaro foi um dos articuladores do comício da Boca Maldita. O tucano avalia que o racha no PDS, que possibilitou a vitória de Tancredo, também foi motivado pela pressão popular. “Sem o racha, [a vitória] seria impossível, porque a oposição era minoritária. E a motivação para a dissidência também veio das ruas”, avalia o tucano.
A historiadora Dulce Pandolfi, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acrescenta que o desgaste da ditadura também ajudou no processo. “O Tancredo foi escolhido por ser mais conciliador. Mas acho que ali não foi o fato de ser ou não o Tancredo. O regime estava completamente desgastado”, afirma. “Foi mais o interessante o Maluf ser candidato do PDS do que o Tancredo do PMDB. E os movimentos sociais tiveram grande importância; a ditadura caiu por causa da sociedade. O Colégio Eleitoral foi um passo nesse processo que vinha crescendo com a Lei da Anistia, as greves do ABC Paulista e o movimento pelas eleições diretas.”
Suborno e medo de retrocesso assombrarama votação
Os dias que antecederam a eleição no Colégio Eleitoral foram tensos. Entre políticos da situação e da oposição, havia o receio de que os militares pudessem interferir no resultado da eleição e prolongar ainda mais o regime, que já durava 21 anos.
Alvaro Dias, que já era senador na época, lembra que havia boatos sobre a compra de votos de parlamentares. “Havia um processo de suborno de parlamentares, que estavam sendo cooptados para votarem no [Paulo] Maluf. A pressão das ruas impediu esse movimento.”
O senador diz que houve uma decepção quando Tancredo morreu e José Sarney (que antes era presidente do PDS) assumiu. “Houve um grande debate sobre quem deveria assumir: o Sarney ou o Ulysses Guimarães. O que facilitou a posse do Sarney foi o desejo de democratização. Havia um clima favorável à redemocratização, mesmo entre os militares.”
A historiadora Dulce Pandolfi lembra que a oposição chegou a debater se participaria do processo após a rejeição da emenda Dante de Oliveira. “Tinha-se muita cautela, o país estava saindo do regime militar e a transição estava inconclusa”, afirma. “Teve um debate grande sobre se [a oposição] continuaria a campanha, se deveria apostar no Colégio Eleitoral. Em 1974, com a eleição do [Ernesto] Geisel, a oposição sabia que ia perder, mas o Ulysses [Guimarães] saiu denunciando o regime pelo Brasil. Mas em 1984 tinha chances reais.”
O ex-deputado Euclides Scalco lembra dos debates internos no PMDB. “Os chamados autênticos não queriam a votação pelo Colégio Eleitoral. Mas o importante era retomar o processo democrático, e foi o que aconteceu. Se não fosse isso, não teria havido a Constituinte“, avalia.
Eleito presidente, Tancredo Neves não chegou a assumir o cargo. No dia 14 de março, véspera da posse, o peemedebista foi internado no Hospital de Base, em Brasília. José Sarney assumiu a Presidência em seu lugar. Tancredo morreu em 21 de abril de 1985, vítima de uma diverticulite, sem vestir a faixa presidencial que ganhara indiretamente da população, por meio do Colégio Eleitoral.
Esta noticia foi publicada no site http://www.gazetadopovo.com.br em 15 de janeiro de 2015. Todas as informações nela contidas são de responsabilidade do autor