Sociologia
29/11/2007
Pensando o crime organizado
Por Fábio de Castro
Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, no Brasil o crime organizado é uma ameaça à democracia, de acordo com dois especialistas que participaram, nesta terça-feira (27/11), do Seminário Internacional sobre o Crime Organizado, na Universidade de São Paulo (USP).
Michel Misse, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Jay Albanese, da Virginia Commonwealth University, nos Estados Unidos, debateram aspectos conceituais do tema durante o evento realizado pelo Centro de Estudos da Violência da USP, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP, também conhecido como Núcleo de Estudos da Violência (NEV).
Para Misse, o alto grau de corrupção dos agentes do Estado brasileiro, a falta de coerência na definição do que são as atividades criminosas e a concentração da violência na camada pobre da sociedade contribuem para ameaçar a democracia.
“Não se trata de uma ameaça conspiratória, mas quando há, como no Brasil, uma acumulação estatal da fraude e uma tamanha acumulação social da violência, que foi incorporada com intensidade única às formas de crime organizado diversificadas em tantos segmentos, há uma ameaça por definição”, declarou Misse à Agência FAPESP.
Para Albanese, o crime organizado, embora movimente bilhões de dólares nos Estados Unidos, não configura uma ameaça à democracia norte-americana. “Mas há 75 anos a máfia, imune à ação policial, controlava a política de cidades como Chicago e Nova York, gerando um contexto de desagregação que era uma ameaça real à democracia no país”, disse o professor de justiça criminal.
Os dois afirmaram que para combater o crime organizado é preciso compreendê-lo e, para isso, defini-lo e buscar novas categorias de análise. “O problema é que o crime organizado pode ser o tráfico internacional de drogas, a exploração de licitações nos hospitais ou tantas outras atividades que a expressão acaba não esclarecendo nada”, disse Misse.
O termo seria impreciso mesmo em uma definição simplificada, que servisse apenas para diferenciar o criminoso individual do que atua em grupo. “Essa noção não é capaz de distinguir o crime organizado de uma mera quadrilha formada pontualmente. Além disso, qualquer ladrão isolado precisa de receptadores e participa, necessariamente, de uma rede organizada em algum grau”, afirmou.
Na prática, para Misse, toda diferença entre organizações e práticas legais e ilegais decorre do fato de que umas são puníveis e outras não. “Critérios como divisão de trabalho, organização, planejamento, vínculo com órgãos estatais e busca de lucro são características que o crime organizado compartilha com uma boa empresa”, destacou.
A incorporação da violência é um fator criminalizável, de acordo com o especialista, mas as atividades só são definidas como típicas do crime organizado de acordo com o comportamento do Estado frente aos mercados ilegais.
“Há mercados informais tratados como legais, outros não. Existe criminalização preferencial de uma parte dos mercados informais e de certos agentes, enquanto de outros não. A noção de crime organizado acaba sendo atribuída apenas ao mercado informal com mercadoria ilegal. Desse modo, o contrabando de bebida não provoca a mesma reação moral do tráfico de drogas”, disse.
Indicadores de riscos
Apesar das dificuldades conceituais, Jay Albanese propôs uma análise pragmática que seja capaz de fundamentar políticas públicas de combate ao crime organizado. “A idéia é definir alguns indicadores com base não nos comportamentos individuais, mas nos níveis de risco ligados às atividades. E a partir daí fazer avaliações de riscos”, afirmou.
Como ponto de partida Albanese optou pela seguinte definição de crime organizado: “Uma empresa criminal contínua que trabalha racionalmente visando ao lucro, com atividades ilícitas principalmente de grande demanda pública. Sua continuidade é baseada na força, na ameaça, no controle e monopólios e na corrupção de funcionários públicos”.
As atividades foram divididas em três categorias: serviços ilícitos (como crédito, sexo e jogo), bens ilícitos (como drogas, propriedades roubadas e pirataria) e negócios ilícitos (como extorsão, lavagem de dinheiro, fraude, contrabando).
“Procuramos analisar, a partir de várias fontes, os riscos dessas atividades a partir de indicadores focados em quatro perspectivas: a do fornecedor, a dos reguladores, a da competitividade e a do consumidor”, disse.
Com esse modelo, Albanese procura uma avaliação comparativa dos riscos de mercados e atividades criminosas. “Até agora, busca-se o risco nos comportamentos dos indivíduos, mas a nossa capacidade de prevê-lo é baixa. Distinguir o nível de risco dos mercados é bem mais viável.”
Os indicadores que permitem a avaliação de risco, de acordo com Albanese, são semelhantes a outros já existentes, como o Índice de Desenvolvimento de Gênero da Organização das Nações Unidas (ONU), o Índice de Percepção de Corrupção da organização não-governamental Transparência Internacional ou o Índice de Desenvolvimento Humano, também usado pela ONU.
"Para ser útil, a avaliação tem que ser feita localmente, ou de preferência nas áreas metropolitanas. A partir da análise, a idéia é que se dirija mais investimentos para as atividades de maior risco. A avaliação de risco, aplicada periodicamente, ajudará a avaliar o impacto dos esforços de intervenção ao longo do tempo", disse.
Fonte: FAPESP, 28 de novembro de 2007
Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, no Brasil o crime organizado é uma ameaça à democracia, de acordo com dois especialistas que participaram, nesta terça-feira (27/11), do Seminário Internacional sobre o Crime Organizado, na Universidade de São Paulo (USP).
Michel Misse, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Jay Albanese, da Virginia Commonwealth University, nos Estados Unidos, debateram aspectos conceituais do tema durante o evento realizado pelo Centro de Estudos da Violência da USP, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP, também conhecido como Núcleo de Estudos da Violência (NEV).
Para Misse, o alto grau de corrupção dos agentes do Estado brasileiro, a falta de coerência na definição do que são as atividades criminosas e a concentração da violência na camada pobre da sociedade contribuem para ameaçar a democracia.
“Não se trata de uma ameaça conspiratória, mas quando há, como no Brasil, uma acumulação estatal da fraude e uma tamanha acumulação social da violência, que foi incorporada com intensidade única às formas de crime organizado diversificadas em tantos segmentos, há uma ameaça por definição”, declarou Misse à Agência FAPESP.
Para Albanese, o crime organizado, embora movimente bilhões de dólares nos Estados Unidos, não configura uma ameaça à democracia norte-americana. “Mas há 75 anos a máfia, imune à ação policial, controlava a política de cidades como Chicago e Nova York, gerando um contexto de desagregação que era uma ameaça real à democracia no país”, disse o professor de justiça criminal.
Os dois afirmaram que para combater o crime organizado é preciso compreendê-lo e, para isso, defini-lo e buscar novas categorias de análise. “O problema é que o crime organizado pode ser o tráfico internacional de drogas, a exploração de licitações nos hospitais ou tantas outras atividades que a expressão acaba não esclarecendo nada”, disse Misse.
O termo seria impreciso mesmo em uma definição simplificada, que servisse apenas para diferenciar o criminoso individual do que atua em grupo. “Essa noção não é capaz de distinguir o crime organizado de uma mera quadrilha formada pontualmente. Além disso, qualquer ladrão isolado precisa de receptadores e participa, necessariamente, de uma rede organizada em algum grau”, afirmou.
Na prática, para Misse, toda diferença entre organizações e práticas legais e ilegais decorre do fato de que umas são puníveis e outras não. “Critérios como divisão de trabalho, organização, planejamento, vínculo com órgãos estatais e busca de lucro são características que o crime organizado compartilha com uma boa empresa”, destacou.
A incorporação da violência é um fator criminalizável, de acordo com o especialista, mas as atividades só são definidas como típicas do crime organizado de acordo com o comportamento do Estado frente aos mercados ilegais.
“Há mercados informais tratados como legais, outros não. Existe criminalização preferencial de uma parte dos mercados informais e de certos agentes, enquanto de outros não. A noção de crime organizado acaba sendo atribuída apenas ao mercado informal com mercadoria ilegal. Desse modo, o contrabando de bebida não provoca a mesma reação moral do tráfico de drogas”, disse.
Indicadores de riscos
Apesar das dificuldades conceituais, Jay Albanese propôs uma análise pragmática que seja capaz de fundamentar políticas públicas de combate ao crime organizado. “A idéia é definir alguns indicadores com base não nos comportamentos individuais, mas nos níveis de risco ligados às atividades. E a partir daí fazer avaliações de riscos”, afirmou.
Como ponto de partida Albanese optou pela seguinte definição de crime organizado: “Uma empresa criminal contínua que trabalha racionalmente visando ao lucro, com atividades ilícitas principalmente de grande demanda pública. Sua continuidade é baseada na força, na ameaça, no controle e monopólios e na corrupção de funcionários públicos”.
As atividades foram divididas em três categorias: serviços ilícitos (como crédito, sexo e jogo), bens ilícitos (como drogas, propriedades roubadas e pirataria) e negócios ilícitos (como extorsão, lavagem de dinheiro, fraude, contrabando).
“Procuramos analisar, a partir de várias fontes, os riscos dessas atividades a partir de indicadores focados em quatro perspectivas: a do fornecedor, a dos reguladores, a da competitividade e a do consumidor”, disse.
Com esse modelo, Albanese procura uma avaliação comparativa dos riscos de mercados e atividades criminosas. “Até agora, busca-se o risco nos comportamentos dos indivíduos, mas a nossa capacidade de prevê-lo é baixa. Distinguir o nível de risco dos mercados é bem mais viável.”
Os indicadores que permitem a avaliação de risco, de acordo com Albanese, são semelhantes a outros já existentes, como o Índice de Desenvolvimento de Gênero da Organização das Nações Unidas (ONU), o Índice de Percepção de Corrupção da organização não-governamental Transparência Internacional ou o Índice de Desenvolvimento Humano, também usado pela ONU.
"Para ser útil, a avaliação tem que ser feita localmente, ou de preferência nas áreas metropolitanas. A partir da análise, a idéia é que se dirija mais investimentos para as atividades de maior risco. A avaliação de risco, aplicada periodicamente, ajudará a avaliar o impacto dos esforços de intervenção ao longo do tempo", disse.
Fonte: FAPESP, 28 de novembro de 2007