Sociologia
06/02/2008
Pesquisas de opinião apontam dimensões do conservadorismo no Brasil
Pesquisas de opinião pública, voltadas a captar características da cultura política, reafirmam o predomínio de um certo conservadorismo entre os brasileiros. Dois livros publicados recentemente apresentam análises baseadas em pesquisas de opinião e revelam dimensões deste conservadorismo, expressão das desigualdades de renda, gênero e raça presentes no país. Embora as próprias pesquisas não respondam porque as pessoas demonstram opiniões mais democráticas e igualitárias, ou mais conservadoras, os analistas propõem explicações diferentes para entender a preponderância de certos aspectos conservadores entre os brasileiros.
Para Alberto Carlos Almeida, cientista político da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor do polêmico livro A cabeça do brasileiro, o problema está na educação. Em sua opinião, o desafio a ser vencido para disseminar uma “mentalidade democrática e moderna” no país consiste em ampliar a educação formal dos brasileiros. “Como a maior parte da população brasileira tem escolaridade baixa, pode-se afirmar que o Brasil é arcaico”, afirma em seu livro. Segundo ele, porém, o país não é um bloco monolítico. Convivem hoje dois Brasis: um dominante - o das classes baixas -, considerado “arcaico”, atrasado, conservador, mas que tenderia a desaparecer; e outro “moderno” e liberal, atualmente minoritário, mas que deve prevalecer conforme o ensino superior for massificado.
O trabalho de Almeida analisa dados da Pesquisa Social Brasileira (Pesb), que foi realizada entre julho e outubro de 2002, e procurou apreender quais são os valores, crenças, práticas e atitudes que permeiam o cotidiano dos brasileiros em suas relações sociais. A amostra considerada na pesquisa, representativa da população brasileira, contou com 2.363 pessoas.
Mando e subserviência
O posicionamento dos brasileiros em relação a valores considerados “hierárquicos” ou “igualitários” é um dos aspectos tratados por Almeida que atestariam a relação entre conservadorismo e déficit educacional entre os brasileiros.
“Qual a atitude que os empregados de um edifício deveriam ter se os moradores dizem que eles podem usar o elevador social?” e “qual a atitude que o empregado deveria ter se o patrão diz que pode ser tratado por ‘você?”. A estas perguntas, os dados da Pesb revelaram que, dentre os analfabetos, 76% disseram que os empregados do prédio “deveriam continuar usando o elevador de serviço” e 68% que o empregado “deveria continuar chamando o patrão de ‘senhor”. Já dentre os entrevistados com nível superior ou mais, ao contrário, a maioria disse que os empregados deveriam usar o elevador social (72%) e chamar o patrão por “você” (59%). Na análise de Almeida, “quanto mais elevada for a escolaridade, mais igualitárias as pessoas são”, e quanto menor a escolaridade, menos igualitárias.
Já Kátia Mika Nishimura, cientista política e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp - que inclusive dispõe do banco de dados da Pesb -, faz análise que vai além da constatação quantitativa: “o dado mais perverso deste ordenamento social é que mesmo as maiores vítimas dos mais freqüentes tipos de preconceitos e discriminações - pobres, negros e mestiços - são também favoráveis à existência do ‘elevador de serviço' e de outros ‘lugares sociais' estabelecidos pelo autoritarismo social”, comenta ela em artigo publicado em 2004 na revista Opinião Pública (vol X, n.º 02), para explicar porque, muitas vezes, pessoas que estão na parte inferior da hierarquia social dizem concordar com atitudes que as oprimem. O artigo analisa dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb), também realizado em 2002, com amostra de 2.513 entrevistados, e que se aproximam das informações da Pesb trazidas por Almeida.
O fato da maioria da população brasileira dizer que prefere continuar usando o elevador de serviço e chamando o patrão de “senhor” pode ser sintomático da sua subserviência. Seria uma atitude compreensível de quem já experimentou amargamente “ousar sair do seu lugar social” e foi julgado abusado. Para Nishimura, a visão de mundo hierárquica compartilhada pelos brasileiros de renda baixa e com pouca escolaridade “pode revelar, sim, uma estratégia de sobrevivência”. Mas, acrescenta ela, “ainda assim seria uma estratégia conservadora, pois contribui para a manutenção de uma estrutura social hierárquica”.
"Machismo" feminino
Outro livro lançado recentemente e baseado em uma pesquisa do International Social Survey Programme (ISSP, na sigla em inglês) aponta o conservadorismo dos brasileiros quanto à divisão do trabalho doméstico e ao papel da maternidade. Novas conciliações e antigas tensões? Gênero, família e trabalho em perspectiva comparada indica que as mulheres brasileiras apresentam posturas mais machistas que os homens dos Estados Unidos e Suécia. Segundo Clara Araújo, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e uma das autoras do livro, os homens americanos e suecos teriam a “cabeça mais aberta” que as mulheres brasileiras. Em comparação com as suecas e americanas, as brasileiras dedicam o dobro de tempo ao trabalho doméstico. E um grande número concorda que esta seja de fato uma obrigação mais das mulheres do que dos homens.
Uma informação chama especial atenção no livro de Araújo, cuja autoria é compartilhada com Felícia Picanço (da Uerj) e Celi Scalon, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): o conservadorismo dos japoneses quando se trata de relações de gênero, apesar do elevado desenvolvimento sócio-econômico do Japão. O comentário de Araújo diante desta constatação contrapõe-se à crença de Almeida nas virtudes democráticas da escolarização: “Antes tínhamos uma visão muito linear da idéia de desigualdade de gênero: quanto mais desenvolvimento, maior a igualdade, e quanto maior a educação de um país, maior a consciência”. O exemplo do Japão mostra que as coisas não são bem assim. “No Japão todo mundo é altamente escolarizado e o nível de desenvolvimento é extremamente elevado. No entanto, existe por lá uma grande desigualdade no envolvimento masculino e feminino com o trabalho doméstico. Os homens trabalham, as mulheres ficam em casa e eles não se envolvem de forma alguma no trabalho doméstico”, explicou ela em entrevista para o Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (Clam).
Liberalismo ou democracia?
Para José Álvaro Moisés, professor de ciência política da Universidade de São Paulo (USP), que também trabalhou com pesquisas de opinião pública sobre cultura política, liberalismo não é sinônimo de democracia, mas uma de suas variantes. No livro Os brasileiros e a democracia, Moisés argumenta que a democracia perdeu sua raiz igualitária diante do triunfo da democracia liberal, que enfatiza apenas a defesa da liberdade, da igualdade perante a lei, dos direitos individuais e da legalidade institucional. Em contraste com o que diz Almeida, alguns intelectuais que se dedicam a discutir o que é justiça social, como o vencedor do prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen, também criticam a idéia liberal de que a educação baste como “porta de oportunidades” para eliminar as desigualdades.
Fonte: Consciência - SBPC, 31 de janeiro de 2008
Para Alberto Carlos Almeida, cientista político da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor do polêmico livro A cabeça do brasileiro, o problema está na educação. Em sua opinião, o desafio a ser vencido para disseminar uma “mentalidade democrática e moderna” no país consiste em ampliar a educação formal dos brasileiros. “Como a maior parte da população brasileira tem escolaridade baixa, pode-se afirmar que o Brasil é arcaico”, afirma em seu livro. Segundo ele, porém, o país não é um bloco monolítico. Convivem hoje dois Brasis: um dominante - o das classes baixas -, considerado “arcaico”, atrasado, conservador, mas que tenderia a desaparecer; e outro “moderno” e liberal, atualmente minoritário, mas que deve prevalecer conforme o ensino superior for massificado.
O trabalho de Almeida analisa dados da Pesquisa Social Brasileira (Pesb), que foi realizada entre julho e outubro de 2002, e procurou apreender quais são os valores, crenças, práticas e atitudes que permeiam o cotidiano dos brasileiros em suas relações sociais. A amostra considerada na pesquisa, representativa da população brasileira, contou com 2.363 pessoas.
Mando e subserviência
O posicionamento dos brasileiros em relação a valores considerados “hierárquicos” ou “igualitários” é um dos aspectos tratados por Almeida que atestariam a relação entre conservadorismo e déficit educacional entre os brasileiros.
“Qual a atitude que os empregados de um edifício deveriam ter se os moradores dizem que eles podem usar o elevador social?” e “qual a atitude que o empregado deveria ter se o patrão diz que pode ser tratado por ‘você?”. A estas perguntas, os dados da Pesb revelaram que, dentre os analfabetos, 76% disseram que os empregados do prédio “deveriam continuar usando o elevador de serviço” e 68% que o empregado “deveria continuar chamando o patrão de ‘senhor”. Já dentre os entrevistados com nível superior ou mais, ao contrário, a maioria disse que os empregados deveriam usar o elevador social (72%) e chamar o patrão por “você” (59%). Na análise de Almeida, “quanto mais elevada for a escolaridade, mais igualitárias as pessoas são”, e quanto menor a escolaridade, menos igualitárias.
Já Kátia Mika Nishimura, cientista política e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp - que inclusive dispõe do banco de dados da Pesb -, faz análise que vai além da constatação quantitativa: “o dado mais perverso deste ordenamento social é que mesmo as maiores vítimas dos mais freqüentes tipos de preconceitos e discriminações - pobres, negros e mestiços - são também favoráveis à existência do ‘elevador de serviço' e de outros ‘lugares sociais' estabelecidos pelo autoritarismo social”, comenta ela em artigo publicado em 2004 na revista Opinião Pública (vol X, n.º 02), para explicar porque, muitas vezes, pessoas que estão na parte inferior da hierarquia social dizem concordar com atitudes que as oprimem. O artigo analisa dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb), também realizado em 2002, com amostra de 2.513 entrevistados, e que se aproximam das informações da Pesb trazidas por Almeida.
O fato da maioria da população brasileira dizer que prefere continuar usando o elevador de serviço e chamando o patrão de “senhor” pode ser sintomático da sua subserviência. Seria uma atitude compreensível de quem já experimentou amargamente “ousar sair do seu lugar social” e foi julgado abusado. Para Nishimura, a visão de mundo hierárquica compartilhada pelos brasileiros de renda baixa e com pouca escolaridade “pode revelar, sim, uma estratégia de sobrevivência”. Mas, acrescenta ela, “ainda assim seria uma estratégia conservadora, pois contribui para a manutenção de uma estrutura social hierárquica”.
"Machismo" feminino
Outro livro lançado recentemente e baseado em uma pesquisa do International Social Survey Programme (ISSP, na sigla em inglês) aponta o conservadorismo dos brasileiros quanto à divisão do trabalho doméstico e ao papel da maternidade. Novas conciliações e antigas tensões? Gênero, família e trabalho em perspectiva comparada indica que as mulheres brasileiras apresentam posturas mais machistas que os homens dos Estados Unidos e Suécia. Segundo Clara Araújo, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e uma das autoras do livro, os homens americanos e suecos teriam a “cabeça mais aberta” que as mulheres brasileiras. Em comparação com as suecas e americanas, as brasileiras dedicam o dobro de tempo ao trabalho doméstico. E um grande número concorda que esta seja de fato uma obrigação mais das mulheres do que dos homens.
Uma informação chama especial atenção no livro de Araújo, cuja autoria é compartilhada com Felícia Picanço (da Uerj) e Celi Scalon, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): o conservadorismo dos japoneses quando se trata de relações de gênero, apesar do elevado desenvolvimento sócio-econômico do Japão. O comentário de Araújo diante desta constatação contrapõe-se à crença de Almeida nas virtudes democráticas da escolarização: “Antes tínhamos uma visão muito linear da idéia de desigualdade de gênero: quanto mais desenvolvimento, maior a igualdade, e quanto maior a educação de um país, maior a consciência”. O exemplo do Japão mostra que as coisas não são bem assim. “No Japão todo mundo é altamente escolarizado e o nível de desenvolvimento é extremamente elevado. No entanto, existe por lá uma grande desigualdade no envolvimento masculino e feminino com o trabalho doméstico. Os homens trabalham, as mulheres ficam em casa e eles não se envolvem de forma alguma no trabalho doméstico”, explicou ela em entrevista para o Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (Clam).
Liberalismo ou democracia?
Para José Álvaro Moisés, professor de ciência política da Universidade de São Paulo (USP), que também trabalhou com pesquisas de opinião pública sobre cultura política, liberalismo não é sinônimo de democracia, mas uma de suas variantes. No livro Os brasileiros e a democracia, Moisés argumenta que a democracia perdeu sua raiz igualitária diante do triunfo da democracia liberal, que enfatiza apenas a defesa da liberdade, da igualdade perante a lei, dos direitos individuais e da legalidade institucional. Em contraste com o que diz Almeida, alguns intelectuais que se dedicam a discutir o que é justiça social, como o vencedor do prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen, também criticam a idéia liberal de que a educação baste como “porta de oportunidades” para eliminar as desigualdades.
Fonte: Consciência - SBPC, 31 de janeiro de 2008