Sociologia
06/02/2008
Plano inventaria práticas de combate ao trabalho infantil
Por Daniela Lot
O ano de 2008 começa com projetos internacionais importantes de combate ao trabalho infantil. Um deles é o Memorando de Entendimento entre a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que foi assinado em dezembro. O acordo prevê a cooperação horizontal, ou sul-sul, para a prevenção e eliminação do trabalho infantil. Inicialmente o Brasil irá financiar um projeto no Haiti e a partir de fevereiro será colocado em ação um plano para inventariar as práticas bem sucedidas do Brasil e dos países da cooperação, e assim favorecer o intercâmbio entre eles.
Existem quatro grandes blocos de países que podem fazer parte do acordo, explica o oficial de projetos da OIT, Renato Mendes: “em um dos blocos está a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em outro os países que integram o Mercosul, num terceiro bloco encontram-se os países do Pacto Andino e no quarto bloco, países sujeitos à cooperação sul-sul composto pelos países que integram o IBSA - sigla em inglês para o acordo trilateral entre Índia, Brasil e África do Sul”. Esses países podem receber ajuda ou compartilhar suas boas práticas de combate ao trabalho infantil. Não necessariamente um país mais rico tem melhores experiências que um país mais pobre, afirma Mendes.
Pedro Américo Furtado de Oliveira, coordenador do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil (Ipec) da OIT no Brasil, explica que a participação brasileira deve-se a uma rotina de políticas e programas com esse objetivo no país, desde os anos 1980, que apresentaram indicadores positivos. Este cenário gerou uma demanda de outros países de aprenderem com as experiências brasileiras. “Agora estamos criando uma sistemática para as informações fluírem com mais rapidez no eixo sul-sul”, diz ele.
História recente
Até os anos 1990 no Brasil, ainda não se sabia o que era o trabalho infantil e as condições sobre as quais ele se configurava, explica Oliveira, “somente em 1992, quando foi criado o Ipec, a OIT, junto com a Fundação Abrinq, buscaram identificar o problema, levantando informações e apurando denúncias”. Desde então, as políticas e programas de prevenção ao trabalho infantil tiveram como resultado quedas significativas nos índices (com exceção do ano de 2005 quando houve aumento) e deram ao Brasil um papel de destaque e referência. São exemplos o projeto Axé na Bahia e as políticas e programas de transferência de renda condicionada, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), criado em 1996. “Por meio do Peti, as famílias recebem apoio financeiro e acompanhamento extra classe; é um modo de ocupar o tempo da criança no período em que ela não está na escola”, afirma o cientista político da Universidade de São Paulo (USP), João Paulo Cândia Veiga. Atualmente o mecanismo de transferência de renda do Peti é feito pelo Programa Bolsa Família.
Em 2005, como resultado da parceria da OIT com o governo brasileiro, pela primeira vez um país em desenvolvimento contribuiu com esta organização para desenvolver ações em outros países. Na época, o Brasil alocou recursos para a OIT desenvolver ações de cooperação técnica na área de combate ao trabalho infantil em Angola e Moçambique. Mas essa não foi a única forma de cooperação entre os países, completa Mendes. Por meio dessa cooperação o Brasil enviou especialistas para os dois países africanos, e em seguida autoridades de Angola e Moçambique vieram para o Brasil para verem o trabalho que estava sendo desenvolvido aqui.
Criança trabalhando é melhor que criança na rua?
As experiências brasileiras bem sucedidas no combate ao trabalho infantil e que deram ao país um papel de referência parecem mostrar que, embora ainda longe do ideal, estão indo na direção certa. No entanto, ainda predomina a idéia de que é melhor que a criança trabalhe para não ficar ociosa e ser presa fácil do tráfico. “Esse é um discurso que escuto até mesmo de pessoas que trabalham nas políticas públicas”, lamenta João Paulo Cândia Veiga.
Oliveira aponta que essa visão está presente não apenas no espaço urbano como também rural: “No espaço urbano, a visão é a de que criança no trabalho está longe da criminalidade. No espaço rural os argumentos justificam o trabalho infantil como um agente disciplinador e dignificante; além disso, no campo as crianças são levadas a acompanhar as atividades familiares, o que perpetua a situação de exploração”. Por isso, concluiu o especialista, para acabar com o trabalho infantil, é preciso uma decisão de Estado, que mude essa visão e que passe uma mensagem não-conflituosa.
Veiga compartilha dessa opinião e acrescenta que são necessárias ações simultâneas. O envolvimento do setor privado, na opinião dele, deve ir além de destinar verba, incluindo ações que mobilizem funcionários e fornecedores. “Com relação ao poder público, é preciso mobilizar as comunidades locais e também é necessária a elaboração de políticas públicas que incluam a participação das prefeituras com a destinação de parte de seu orçamento para a realização dessas politicas. As iniciativas devem envolver também o Ministério Público do Trabalho, as Secretarias de Estado e o governo estadual.”, defende ele.
Fonte: Consciência - SBPC, 30 de janeiro de 2008
O ano de 2008 começa com projetos internacionais importantes de combate ao trabalho infantil. Um deles é o Memorando de Entendimento entre a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que foi assinado em dezembro. O acordo prevê a cooperação horizontal, ou sul-sul, para a prevenção e eliminação do trabalho infantil. Inicialmente o Brasil irá financiar um projeto no Haiti e a partir de fevereiro será colocado em ação um plano para inventariar as práticas bem sucedidas do Brasil e dos países da cooperação, e assim favorecer o intercâmbio entre eles.
Existem quatro grandes blocos de países que podem fazer parte do acordo, explica o oficial de projetos da OIT, Renato Mendes: “em um dos blocos está a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em outro os países que integram o Mercosul, num terceiro bloco encontram-se os países do Pacto Andino e no quarto bloco, países sujeitos à cooperação sul-sul composto pelos países que integram o IBSA - sigla em inglês para o acordo trilateral entre Índia, Brasil e África do Sul”. Esses países podem receber ajuda ou compartilhar suas boas práticas de combate ao trabalho infantil. Não necessariamente um país mais rico tem melhores experiências que um país mais pobre, afirma Mendes.
Pedro Américo Furtado de Oliveira, coordenador do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil (Ipec) da OIT no Brasil, explica que a participação brasileira deve-se a uma rotina de políticas e programas com esse objetivo no país, desde os anos 1980, que apresentaram indicadores positivos. Este cenário gerou uma demanda de outros países de aprenderem com as experiências brasileiras. “Agora estamos criando uma sistemática para as informações fluírem com mais rapidez no eixo sul-sul”, diz ele.
História recente
Até os anos 1990 no Brasil, ainda não se sabia o que era o trabalho infantil e as condições sobre as quais ele se configurava, explica Oliveira, “somente em 1992, quando foi criado o Ipec, a OIT, junto com a Fundação Abrinq, buscaram identificar o problema, levantando informações e apurando denúncias”. Desde então, as políticas e programas de prevenção ao trabalho infantil tiveram como resultado quedas significativas nos índices (com exceção do ano de 2005 quando houve aumento) e deram ao Brasil um papel de destaque e referência. São exemplos o projeto Axé na Bahia e as políticas e programas de transferência de renda condicionada, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), criado em 1996. “Por meio do Peti, as famílias recebem apoio financeiro e acompanhamento extra classe; é um modo de ocupar o tempo da criança no período em que ela não está na escola”, afirma o cientista político da Universidade de São Paulo (USP), João Paulo Cândia Veiga. Atualmente o mecanismo de transferência de renda do Peti é feito pelo Programa Bolsa Família.
Em 2005, como resultado da parceria da OIT com o governo brasileiro, pela primeira vez um país em desenvolvimento contribuiu com esta organização para desenvolver ações em outros países. Na época, o Brasil alocou recursos para a OIT desenvolver ações de cooperação técnica na área de combate ao trabalho infantil em Angola e Moçambique. Mas essa não foi a única forma de cooperação entre os países, completa Mendes. Por meio dessa cooperação o Brasil enviou especialistas para os dois países africanos, e em seguida autoridades de Angola e Moçambique vieram para o Brasil para verem o trabalho que estava sendo desenvolvido aqui.
Criança trabalhando é melhor que criança na rua?
As experiências brasileiras bem sucedidas no combate ao trabalho infantil e que deram ao país um papel de referência parecem mostrar que, embora ainda longe do ideal, estão indo na direção certa. No entanto, ainda predomina a idéia de que é melhor que a criança trabalhe para não ficar ociosa e ser presa fácil do tráfico. “Esse é um discurso que escuto até mesmo de pessoas que trabalham nas políticas públicas”, lamenta João Paulo Cândia Veiga.
Oliveira aponta que essa visão está presente não apenas no espaço urbano como também rural: “No espaço urbano, a visão é a de que criança no trabalho está longe da criminalidade. No espaço rural os argumentos justificam o trabalho infantil como um agente disciplinador e dignificante; além disso, no campo as crianças são levadas a acompanhar as atividades familiares, o que perpetua a situação de exploração”. Por isso, concluiu o especialista, para acabar com o trabalho infantil, é preciso uma decisão de Estado, que mude essa visão e que passe uma mensagem não-conflituosa.
Veiga compartilha dessa opinião e acrescenta que são necessárias ações simultâneas. O envolvimento do setor privado, na opinião dele, deve ir além de destinar verba, incluindo ações que mobilizem funcionários e fornecedores. “Com relação ao poder público, é preciso mobilizar as comunidades locais e também é necessária a elaboração de políticas públicas que incluam a participação das prefeituras com a destinação de parte de seu orçamento para a realização dessas politicas. As iniciativas devem envolver também o Ministério Público do Trabalho, as Secretarias de Estado e o governo estadual.”, defende ele.
Fonte: Consciência - SBPC, 30 de janeiro de 2008