Sociologia
14/03/2008
Presença Feminina nos espaços de Poder
Entre 2000 e 2006, a socióloga Almira Rodrigues se debruçou na pesquisa sobre a participação das mulheres na política nacional. Ano passado, foi convidada pela Secretaria Nacional de Política para as Mulheres para estudar os mandatos efetivos das parlamentares comparar o quadro brasileiro com o de outros países. Tanto nos primeiros trabalhos, disponíveis no Centro Feminista de Estudo e Assessoria, quanto nos registros mais recentes (integrantes do II Plano de Política para as Mulheres, divulgado na quarta-feira 5), chegou a conclusões pouco estimulantes.
De um total de 2.498 candidatas em 2006, por exemplo, (2 à Presidência, 26 aos Governos, 35 ao Senado, 652 à Câmara Federal e 1.783 às Assembléias e Câmara Legislativas) foram eleitas apenas 176 mulheres (3 Governadoras, 4 Senadoras, 45 Deputadas Federais e 123 Deputadas Estaduais. Segundo Almira, a mulher está sub-representada na política e, mesmo em ano eleitoral, é difícil criar esperanças imediatas. De todo modo, no entender da socióloga, é possível mudar o cenário a longo prazo.
Confira abaixo a íntegra da entrevista.
CartaCapital: Quais as questões centrais encontradas nessas pesquisas?
Almira Rodrigues: A principal é a sub-representação das mulheres na política. Essa é uma problemática mundial, mas no Brasil é mais grave ainda porque fazemos parte de grupo de países em que não há sequer a 10% de mulheres na Câmara Federal. Em outros 19 países, há 30% ou mais da presença feminina. Por aí é possível constatar o tamanho do problema.
CC: Como explicar essa sub-representação?
AR: Nesses estudos, levantamos um conjunto de elementos que podiam ajudar a compreender a sub-representação. A questão da própria mentalidade patriarcal, por exemplo. Esta associação de que os homens estão referidos ao espaço público e as mulheres, ao privado, ainda permeia o imaginário de coletivo. Há um outro ponto, que venho chamando de desigualdades competitivas de gênero.
CC: Do que se trata?
AR: Há uma desigualdade muito grande. As mulheres têm menos recursos financeiros e, no Brasil, as eleições são assentadas nesta forma de poder econômico. Isso é absurdo, é seletivo de entrada. Elas também têm menos tempo para fazer política. Normalmente coincidem tal atividade com o do cuidar da casa, das crianças e dos idosos, sem contar estudos e outras atividades, enquanto os homens tendem se concentrar exclusivamente na política.
CC: Além disso, as mulheres chegaram ao poder há pouco tempo, não?
AR: Exatamente. Os homens ostentam um longo histórico, e as mulheres chegaram nessas posições bem mais recentemente. Portanto, têm um histórico mais reduzido em termos de expressão pública. Os homens ainda contam com uma rede maior de influência, mais poder de articulação para arrecadar fundos, por exemplo. Parece estar tudo igual, mas não está.
CC: Como a mulher pode competir com o homem em tais condições?
AR: Em tais condições? Não tem como. A campanha das mulheres, no geral, é muito mais modesta e simples.
CC: A sub-representação foi o dado mais alarmante do trabalho?
AR: Foi sim. Na maioria dos casos, as mulheres não chegam nem a 20% total dos candidatos. Uma coisa muito preocupante nas últimas eleições foi constatar que houve uma redução no número de deputadas estaduais, de 133 para 123. Se ocorre esta diminuição no âmbito do estado em que, na teoria, as condições são mais favoráveis às mulheres do que no âmbito federal, é sinal de que elas estão perdendo posições de poder. E isso é alarmante. Tal sub-representação compromete a democracia brasileira.
CC: Qual o papel dos partidos nesse cenário?
AR: Os partidos são instituições fundamentais para promover essa participação na política representativa. Eles têm começado a ter alguma sensibilização. Tanto que a maioria dos partidos mais expressivos conta com secretaria de mulheres. Mas ainda são perpassados por um jeito de funcionar muito masculino. É uma competição difícil, eles privilegiam os homens, afinal, são eles que estão na direção.
CC: E as cotas para a participação de mulheres?
AR: Elas existem. Quatro partidos conseguiram colocar cotas internas, por sexo, para formação do diretório nacional. O PT foi o primeiro, em 1991. O PDT e o PPS estabeleceram cotas anos depois. O PV também explicita essa necessidade de participação de mulheres.
CC: De quanto é essa cota?
AR: De pelo menos 30% para a participação feminina, que se compreende como uma minoria ativa, que tem condições de se colocar. É a mesma legislação que temos para as candidaturas. A lei de 1995, melhorada em 1997, que aponta a reserva de 30%, e no máximo 70% das vagas de candidaturas para ambos os sexos.
CC: O que é necessário para aumentar da participação das mulheres na política?
AR: Quando falamos de uma mentalidade patriarcal, pensamos que é importante que se tenham campanhas falando da participação das mulheres, da importância, do incentivo, do estímulo e das cotas. Uma primeira ação é cultural. Com relação às desigualdades, temos defendido necessidade do financiamento público e exclusivo de campanhas eleitorais, e isso vale para mulheres e homens. Do jeito que está, é cada vez mais difícil entrar nesse círculo de representantes.
CC: Que outros aspectos deveriam ser mudados?
AR: O Estado tem de assumir melhor a educação infantil proposta na Constituição, aumentar e melhorar as creches para que as mulheres fiquem liberadas um pouco desse cuidado e, assim, possam se dedicar a outros afazeres. E também insistimos na divisão das tarefas domésticas.
CC: E dentro dos partidos?
AR: Tanto na lei eleitoral quanto na lei partidária, o processo eleitoral de lista aberta é um sistema que favorece o personalismo. Outro ponto que os movimentos de mulheres defende é uma lista fechada e com alternância de sexo. Aí estaríamos reservando não só mais vagas de candidaturas, como é hoje, mas também uma cota fechada e com alternância. E a defesa é a paridade: um nome masculino, um nome feminino. É preciso que os partidos apóiem as instâncias de mulheres, dediquem recursos financeiros, tempo de propaganda para divulgação, promovam cursos, coisas assim.
CC: Neste ano de eleições municipais, a secretaria vê perspectivas de aumentar a representatividade das mulheres na política?
AR: Cerca de 12% das vereadoras do país inteiro são mulheres e 7% só de prefeitas. A expectativa é permanente, só que nas últimas eleições o aumento tem sido de 1%. É, portanto, aumento irrisório. Tomando as eleições como modelo, não é para se ficar muito esperançoso, não.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=6&i=328